David Moisés (Ndozi) foi Comandante da guerrilha do MPLA na II Região Política e Militar. Depois comandou a Frente Norte apoiado por outros grandes comandantes: Gika, Eurico Gonçalves, Delfim de Castro, Foguetão, Max Merengue, Margoso, Kimba e outros que neste momento se esconderam nos subterrâneos da memória. Em plena Guerra da Transição, quando as coisas corriam mal, ele desabafava: Se há revolução que não comeu seus filhos para alimentar enteados, que me varram com a primeira chapada!

A Revolução já lá vai, feneceu como as rosas de porcelana e os alvos beijos de mulata. Mas a Grande Família do MPLA existe, ainda que esteja dividida, desavinda e perigosamente de costas voltadas. Quem sabe ler português e leu obrigatoriamente Os Lusíadas (poemas onde prevalecem as transposições e inversões) conhece esta frase de Camões: “Um Fraco rei faz fraca a forte gente”. Eu que não sou poeta, estúpido nem romancista russo acrescento: Nem que seja Deus! Se é fraco enfraquece tudo. Até a Terra se cansa de girar à volta do Sol e contemplar o luar.

Em 1992 foi necessário tocar a reunir. A Grande Família estava dispersa, tinha muitas e muitos membros de costas voltadas. Era preciso esquecer as divergências e unir forças suficientes para ganhar as eleições multipartidárias. Poucos acreditavam na vitória. Até dirigentes do MPLA puseram as famílias ao fresco e ficaram à espera para ver em que paravam as modas. Até dormiam vestidos e com a maleta feita. No dia seguinte à divulgação dos resultados eleitorais partiam para porto seguro.

Falso alarme. A Grande Família, unida, derrotou toda a concorrência. O Povo Angolano falou tão alto que o MPLA ganhou com maioria absoluta. Em Angola o sentimento de Familiaridade é mais forte do que o de Nacionalidade. E a Grande Família estendeu os braços a quem pertencia a outras famílias. A direcção do MPLA abriu as portas do Governo a todos os partidos que elegeram deputados. Pela primeira vez os políticos conseguiram que o Povo Angolano fosse uma Grande Família. Uma pequena parte, residual, pôs-se de fora mas depois integrou o Governo e Unidade e Reconciliação Nacional (GURN). Em 2002 tudo se resolveu. Hoje somos todos iguais, unidos na diferença.

Em 2017, nasceu uma nova Angola. A Grande Família implode. As diferenças que dão força à unidade foram perseguidas. São loucos os que querem travar a ventania com as mãos. Mas mais loucos ainda são os que decidem impor o pensamento único. Endeusam simples mortais de carne e osso. Bajulam quem trepou na vida com bajulação. Servem a quem serviu. Pedem a quem mendigou. Os filhos da Grande Família são quase todos pródigos! Porque temos um fraco rei. Falso rei. Pobre rei.

Os filhos do MPLA estão contra o MPLA. Indignados porque o “amplo movimento” só tem olhos para os enteados e varre seus filhos para baixo do tapete. Despreza os seus melhores filhos e promove incompetentes, bajuladores, salteadores. Alguns dos melhores e mais qualificados filhos do MPLA que conheci, bateram estrondosamente com a porta. Saíram de casa. Recusam pertencer à Grande Família.

Filhos do MPLA que nasceram e cresceram nas fileiras do MPLA, que tudo devem ao MPLA, viraram as costas ao partido. Estão de tal forma zangados que sobem ao palco da UNITA e de lá esfaqueiam os pais, os tios, as tias, os irmãos, os amigos. Os mais controlados nem querem ouvir falar no “amplo movimento”. São altos quadros formados nas fileiras do MPLA, pelo MPLA. São gritos lancinantes de revolta. De dor funda. Mas sobretudo são gestos suicidários. Aviso já. Sem o MPLA somos nada. Zero. Alguém com cabeça tronco e membros toque a reunir a Grande Família. Ontem já era tarde.

Um exemplo gritante. Abílio Camalata Numa. O seu mentor, Coronel Ian Breytenbach escreveu que “o cunhado de Savimbi ficava a 30 quilómetros da frente de combate. E quando pressentia que estava em perigo recuava mais 30 quilómetros”. Foi com esta tática militar ousada que Abílio Camalata Numa ganhou as estrelas de general da LIMA, organização feminina da UNITA.

Abílio Camalata Numa estava com Jonas Savimbi nos dias finais do Lucusse. Quando percebeu que as FAA estavam a dois passos do acampamento fugiu, seguindo a tática “Ou Mato ou Morro”. Se o inimigo está aqui ao lado das tendas, no mato, eu fujo para o morro”. Fugiu. Apareceu muito tempo depois para colher as mordomias do Estado.

Este e outros criminosos de guerra beneficiam largamente da Espiral do Silêncio. Tudo o que se fiz e escreve sobre a sua pessoa, verdades incómodas, é silenciado. Não existe. Não vale nada. Não presta. Mas os consumidores estão constantemente a ser bombardeados com aldrabices sobre a sua pessoa. É apresentado como “antigo Chefe do Estado-Maior Adjunto das FAA”. Ele foi isso, sim senhor. Mas no dia seguinte a receber as estrelas de General e tomar posse, desertou. É um desertor das FAA. E desertou para virar as armas contra Angola e o Povo Angolano.

Em que país do mundo este criminoso passava impune e continuava a receber mundos e fundos do Estado que traiu, das Forças Armadas donde desertou? Só mesmo em Angola!

Mais aldrabices: “O General Numa fez a sua carreira militar na guerrilha da UNITA”. Mentira. Quando a UNITA se revelou como uma força especial das tropas portuguesas contra a guerrilha do MPLA no Leste de Angola, Abílio Camalata Numa tinha 11 anos. No 25 de Abril de 1974 rinha 18 anos e vivia no Huambo. Em 1975 aderiu à UNITA e foi soldado das tropas do regime racista de Pretória, integrado nas unidades do Galo Negro. Como era cunhado de Jonas Savimbi ganhou estrelas de general depois do Acordo de Bicesse.

O criminoso de guerra está a responder pelo crime de ultraje ao Estado Angolano. Já não era sem tempo. No dia anterior a ir responder ante o Ministério Público escreveu isto: “Estamos prontos a ser os próximos condenados pelos usurpadores do poder político, corruptos, criminosos que matam cidadãos angolanos”. Só esta frase, num Estado de Direito, dava processo-crime, julgamento e seguramente condenação. Mas o fraco rei transformou Angola numa imensa Jamba.
Se a Grande Família continuar de costas voltadas vem aí o dilúvio.

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