Desde há 50 anos que Angola vive aprisionada numa bipolarização estéril. O MPLA, no poder desde a independência, transformou-se numa máquina de reprodução do neocolonialismo, da corrupção, da repressão e da exclusão. A UNITA, oposição crónica, limita-se a colher o descontentamento popular, sem apresentar nenhum projecto que inspire e mobilize a sociedade para lutar pela educação, pela saúde e pelo emprego – os três pilares de inserção do indivíduo na sociedade, que permitem garantir a igualdade de oportunidades, a protecção da vida e a dignidade pelo trabalho.
O ensino público em Angola deveria ser o principal mecanismo de ascensão social, mas, pelo contrário, transformou-se num veículo de retrocesso: as escolas e as suas condições em que funcionam (ou não funcionam) são um espelho da exclusão social, da negação do “outro angolano”. Há mais de três milhões de crianças – cerca de um décimo do total da população angolana – que nem sequer têm acesso ao ensino primário.
Por sua vez, a saúde pública, que é um direito fundamental, tornou-se numa lotaria social, em que a morte é absolutamente banalizada. Os hospitais públicos carecem de profissionais qualificados, medicamentos essenciais e equipamentos. O sistema de saúde expõe a vulnerabilidade e expulsa os pobres da cidadania plena.
Finalmente, o emprego é o elo quebrado que compromete todo o edifício social. Para a maioria da juventude, o emprego em Angola não é uma via de integração, mas de frustração. Os jovens enfrentam o desemprego ou a precariedade do sector informal, ao mesmo tempo que as redes clientelistas mercantilizam empregos na função pública e distribuem cargos públicos.
O dilema dos cidadãos angolanos reduz-se, assim, a uma escolha estéril entre quem não sabe largar o poder e quem não sabe propor um futuro.
Todavia, o bloqueio de Angola não se explica apenas pela disputa partidária. Tem raízes mais profundas, de natureza social e antropológica. A sociedade angolana estrutura-se em torno da negação do outro, dos cultos da maldade e da mediocridade. O talento é visto como ameaça, o mérito como risco, a diferença como inimiga. Esse padrão manifesta-se em todas as esferas da sociedade.
Assim, o país reproduz uma cultura de mediocridade que impede a emergência de novos líderes. A classe dirigente reproduz práticas neocoloniais, fechando-se em círculos de privilégio e exclusão, enquanto os mais desfavorecidos oscilam entre a submissão e a resistência passiva.
Por essa via, chegou-se ao factor que concentra e multiplica esse bloqueio: o poder presidencial absoluto. A Constituição de 2010 criou um cargo impossível, que transforma qualquer presidente em refém da sua própria omnipotência — e na fonte da corrupção institucional. Quer José Eduardo dos Santos, quer João Lourenço sucumbiram ao peso do cargo. O poder presidencial absoluto é a raiz de todo o mal.
Houve um tempo em que Angola vivia do petróleo. As receitas eram geridas pelo Presidente a seu bel-prazer, enquanto o povo se contentava com as migalhas. O Presidente não precisava do povo, apenas do petróleo. Esse ciclo terminou, talvez em 2015. Hoje, a governação do Presidente depende mais do dinheiro arrecadado em impostos e taxas – fruto directo do sacrifício e do trabalho dos cidadãos. E, no entanto, esse dinheiro é tratado como fortuna pessoal. Assistimos a decretos presidenciais de adjudicação directa de contratos públicos de milhares de milhões de dólares e incontáveis kwanzas, sem concurso, sem debate, sem transparência e sem racionalidade fiscal. Mas o tesouro não é do Presidente – é do povo.
Recursos que deveriam financiar políticas públicas para melhorar os sistemas de educação e saúde pública e para a criação de empregos são desviados em função das influências, vulnerabilidades e interesses pessoais do Presidente. É este o símbolo mais claro da captura do Estado e da falência da democracia.
A verdadeira pergunta não é quem ocupará a presidência, mas sim quem estará disposto a assumir a responsabilidade de mobilizar a sociedade no sentido de, primeiro, lutar de forma organizada, com uma agenda comum, pelos três pilares de inserção social do indivíduo: a educação, a saúde e o emprego. Esta será a verdadeira revolução, o caminho da liberdade e de determinação da vontade popular na refundação do Estado em Angola.
João Lourenço, o actual presidente, pela sua indescritível má governação, já faz parte do passado. Cabe-lhe cumprir o resto do seu mandato e perguntar-se a si mesmo em que condições deverá deixar o poder.
“Quem quer ser presidente?” é perguntar quem tem a coragem de romper com o modelo constitucional actual e refundar o contrato político: descentralizar o poder, limitar os decretos presidenciais, devolver à Assembleia Nacional e à justiça a capacidade de fiscalização, e abrir espaços para candidaturas fora das máquinas partidárias.
Um presidente digno desse nome terá de fazer da educação, da saúde e do emprego o núcleo mensurável do seu mandato. Estabelecer metas públicas, auditáveis, e sujeitas a prestação de contas. Mais do que carisma, precisará de coragem para perder poder pessoal em favor do fortalecimento das instituições.
A refundação do país não deve ser apenas institucional. Tem de ser sociocultural. É preciso substituir a lógica da negação do outro e substituí-la pelo respeito pela diferença, transformar as escolas, as comunidades e as instituições em laboratórios de cooperação e confiança mútua para o bem comum.
Angola não precisa de administradores da fadiga, mas de arquitectos do bem comum. Ser presidente não pode significar apenas ocupar o cargo, mas sim liderar uma transição histórica: devolver ao povo os dividendos da independência e da paz que lhe foram negados, roubados, espoliados.
“Quem quer ser presidente?” é, no fundo, a pergunta sobre quem quer presidir ao futuro — e libertar o país da cultura da pilhagem, da mediocridade e do autoritarismo que ainda o sufocam.