A crise económica e as limitações financeiras no poder judiciário levantam debate sobre a autonomia do poder judicial e os desafios da classe. Quadros do sector respondem como e por que a crise económica e as limitações orçamentais afectam ou não a autonomia do poder judicial em Angola. Esta é uma reportagem onde O Decreto mostra como a falta de recursos financeiros e a dependência do Executivo impactam ou não a capacidade dos tribunais em cumprir o seu papel de forma justa e imparcial.
Baixos salários, falta de materiais de escritório, condições precárias das infraestruturas judiciais e carência de ferramentas de trabalho são quebra-cabeças para as estruturas do Serviço de Investigação Criminal (instituição onde são instruídos os processos), Procuradorias (Instalações que vê-la pela legalidade do processo) e até mesmo dos próprios tribunais (quem tem como fim último a feitura da justiça).
Para o Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), José Luís Domingos, (Zé Luís), a questão que se aplica não é de crise financeira ou não, mas, mais profundo ainda: “ou seja, a questão da autonomia financeira dos tribunais naquilo que é dependência do Executivo”, disse.
Para Zé Luís os nossos tribunais dependem do ponto de vista orçamental do Executivo: “É o Executivo que prepara o orçamento do Poder Judicial, praticamente na perspectiva de integrá-lo no orçamento geral. Qual é o grande problema disso? É que o próprio Executivo, quando recebe a proposta do Poder Judicial, é habitual reduzir aquilo que realmente o Poder propõe. Ou seja, não há uma perspectiva do Poder Judicial apresentar um orçamento que vai ser discutido na Assembleia sem passar antes pelo corte do Executivo”, lamentou.
“Outra questão é que quando há o desembolso das verbas aprovadas, nem sequer os tribunais chegam a receber cerca de 40% da verba aprovada. É evidente que nós temos defendido que esse condicionalismo financeiro limita bastante a eficiência do tribunal. Tem sido um dos pontos de estrangulamento do Poder Judicial”, afirmou.
Segundo o bastonário, há crise financeira, “mas entendemos que, no âmbito das prioridades do país, tendo pouco dinheiro, deve-se realmente eleger o orçamento dos tribunais como prioridade. Digo prioridade quanto ao montante e ao volume do desembolso”, disse.
Para o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Adelino Fançony, a autonomia do poder judicial é sempre afectada pelas limitações financeiras que o Executivo impõe ao poder judicial: “Para o sector da justiça precisam de dinheiro, e principalmente o facto de que a dependência do poder judicial em relação aos dois outros poderes impede efectivamente a actividade efectiva do poder judiciário”, disse.
Portanto, para Fançony, sem dinheiro, por mais que haja boa vontade, não se consegue efectivamente fazer nada: “Daí que concordamos que as limitações causadas pela crise financeira vão impactar negativamente no exercício efectivo do poder judiciário e, consequentemente, vão afectar a justiça efectiva”, disse.
Entretanto, o jurista e presidente da Associação Justiça, País e Democracia (AJPD), Serra Bango, entende que as decisões do poder judicial não podem estar condicionadas pelas limitações financeiras nem mesmo pela crise económica que o país vive. “Não, não afecta”, foi peremptório. Se não afecta a autonomia do sistema legislativo dentro do Executivo, o por que é que vai afectar a autonomia do sistema judicial?” questionou.
“O sistema judicial única coisa que deve fazer, é elaborar o seu orçamento e apresentar à entidade a propor o orçamento, e o sistema judicial deve exigir o seu orçamento. Portanto, as restrições devem impor-se a todos, quer no Executivo, nas despesas que ele efectua, algumas das quais desnecessárias, quer no Legislativo”, disse.
Bango considera o poder judicial bastante importante e deve ser tratado pelo seu nível de importância: “deve haver limitações e restrições, e assim o poder judicial que é um órgão muito importante, deve ser tratado com a devida importância. Dá-se pouca importância ao sistema judicial, mas o sistema judiciário permite a estabilidade social do país”, disse.
O líder daquela Organização Não Governamental diz também que o problema do poder judicial prende-se com a má gestão da coisa pública. “Penso que a questão não é externa. A questão é: por que falta o tinteiro? Será que a administração dos tribunais ou cofres dos tribunais é gerida convenientemente, e a distribuição do material é feita de acordo com as necessidades que os órgãos têm? Não me parece que falta dinheiro para faltar os tinteiros ou o papel. Parece-nos que falta uma gestão coerente para que estes meios estejam disponíveis à disposição dos tribunais. Então, digam, por que numa secretaria da Presidência da República, que tem tanto dinheiro, falta-lhes papel?”, disse.
O Decreto