Analistas políticos angolanos exortaram hoje as elites políticas do país a refletirem sobre os “preocupantes” protestos pós-eleitorais em Moçambique, defendendo diálogo, acordos intrapartidários e uma comissão eleitoral paritária para acautelar desconfianças e tensões.
De acordo com o politólogo angolano David Sambongo, as manifestações em Moçambique contra os resultados das eleições gerais de 09 de outubro trazem várias lições não só para os cidadãos, mas também para os partidos na oposição e Governo angolano. “São lições que podemos tirar também para o lado da oposição.
Para o nosso país, era importante que a elite política angolana no poder e na oposição fizesse uma reflexão profunda em relação ao que está a acontecer em Moçambique”, afirmou hoje o politólogo em entrevista à Lusa.
O analista entende que se, de um lado, “há muita juventude eufórica, que está desesperada e que quer mudar o ‘status quo’”, as manifestações convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane estão também “a ceifar vidas” e defendeu o diálogo.
“Há pessoas que estão a ser mortas nesta luta, pessoas que estão a ser sacrificadas”, frisou, recordando que Angola já viveu 27 anos de conflito civil e era fundamental que a elite política angolana – à luz da atual realidade de Moçambique – procurasse dialogar. Um diálogo que, para David Sambongo, congregasse todas as forças políticas do país, visando um “acordo intrapartidário, no sentido de se negociar uma eventualidade de alternância no poder”.
“A política também é um espaço de harmonização de interesses, e se não se começar já a trabalhar para que essas elites políticas encabecem todo o processo político no nosso país, as suspeições eleitorais vão continuar a existir”, referiu.
Sambongo recordou as recentes disputas no parlamento entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição) sobre a nova composição da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) como um sintoma da falta de diálogo.
“Estamos a ver a luta que se faz sobre os assentos para os comissários eleitorais. O grande problema que temos no nosso país, e que poderá ser igual exatamente ao de Moçambique, é não se estabelecer lisura na regra de jogo, ou seja, temos de ter uma lei eleitoral que satisfaça todos os intervenientes desse processo, sobretudo os concorrentes”, disse.
Considerou também que a “veia revolucionária e jovial” de Eduardo Mondlane está a desafiar completamente as estruturas e o sistema político moçambicano, uma atitude, argumentou, que leva a juventude angolana a compará-la à postura de Adalberto Costa Júnior (presidente da UNITA), “que não teve a mesma coragem de defender a verdade eleitoral em 2022”.
“Se a UNITA não se acautelar, se não procurar cada vez mais ter mais ousadia do ponto de vista da defesa da verdade eleitoral poderá ser ultrapassada por uma força que poderá estar em frente”, apontou David Sambongo.
O analista político Agostinho Sicato disse, por seu lado, que a situação em Moçambique “é preocupante” e que os angolanos estão a acompanhar com apreensão e ansiedade, interrogando-se se a Frelimo poderá ceder ou encontrar alguma “artimanha jurídica ou política” para se manter no poder.
Referiu que as manifestações nacionais em Moçambique são lições, “também para Angola, e uma preparação psicológica dos líderes na oposição e os cidadãos”.
“Passa uma mensagem de que afinal é possível partir-se para uma reivindicação pacífica, ordeira, no âmbito das recomendações da Constituição e das leis”, adiantou Agostinho Sicato, admitindo, contudo, que o regime angolano seria “mais contundente” em idêntico cenário ao de Moçambique.
As manifestações, maioritariamente violentas, deixaram um rastro de destruição em Moçambique, com registo de mortos, feridos, detidos, infraestruturas destruídas e estabelecimentos comerciais saqueados.