Tem sido notícia recorrente a apreensão de elevadas quantidades de combustível na província do Zaire, mas a prática soma e segue.

FONTE: PUNGO A NDONGO

O fenómeno do contrabando é antigo e já ganhou espaço com a envolvência de cidadãos estrangeiros, sobretudo da República Democrática do Congo (RDC), mas com a cumplicidade de nacionais. Diz-se à boca pequena que no negócio entram funcionários públicos, ou mesmo líderes religiosos ávidos do lucro fácil. Por causa do envolvimento ao mais alto nível não tem sido nada ‘mole’ apanhar os implicados.

A transportação de mais de 20 bidões de 25 litros de combustível nas motorizadas ou nas viaturas é o cartão de visita no Soyo, onde não existe nenhum tipo de policiamento, quer durante o dia e assim como no período nocturno.

O esquema é complexo e arriscado. A reportagem deste jornal esteve lá e pode apurar que os principais traficantes nunca dão o rosto. O mais importante é a pessoa envolvida conseguir tirar o produto das bombas de combustível e colocar em determinado loca previamente combinado para depois receber a sua recompensa em dinheiro.

João Kapuete, morador do bairro Fina no Soyo, revela que neste esquema não estão apenas homens: “Há envolvência também de mulheres. Podemos dizer que a maior parte dos jovens desta cidade estão no contrabando do combustível, quer aquele que tem emprego, assim como o desempregado, porque é um negociante bastante aliciante. O município do Soyo tem mais congoleses do que nacionais. Isso é um perigoso, numa altura em que as autoridades nada fazem para impedir esse fluxo de estrangeiros”.

Pedro Mufuma, cidadão da RDC que vive no Soyo de forma ilegal confidenciou-nos: “Fui contactado por via telefónica por um chefe para comprador dez bidons de combustível e no final receber 1500 USD. Não hesitei e estou nesta fila para comprar”. Avança que o negócio que faz no Soyo é a venda de cabrité e franguité.

 “Não compensa muito, porque a venda nestes dias está muito fraca. Mas dá para sobreviver. O tráfico de combustível é aliciante. Esta é a minha primeira vez. E penso continuar, porque é mais lucrativo”. Soube-se que o esquema muda a cada momento, ou seja, quando são apanhados alguns traficantes criam outra táctica para avançarem. “Antes as pessoas aliciadas eram funcionários das bombas de combustível.

A estratégia foi descoberta pelas autoridades e colocou-se um ponto final, mas surgiu uma nova artimanha conhecida por ‘Dokó – Dokó’. O novo ‘modus operandis’ envolve motociclistas e automobilistas que alteraram os depósitos de combustível para de forma recorrente e num só dia, comprarem combustíveis, que depois é feito o respectivo transbordo em bidões de 25 litros.

“Os contrabandistas podem contratar num só dia 20 motociclistas para irem em várias bombas comprar combustível. Essas motorizadas são obrigadas a transportar dez bidões de 25 litros. E depois fazem o transbordo do mesmo “, denuncia a fonte.

O ‘Dokó- Dokó’, funciona nas viaturas e nos motociclistas. Eles vão para o posto de abastecimento de combustível abastecer e depois vão para casa ou mesmo em locais fora da cidade onde fazem o transbordo do produto, colocando- -o em bidons que depois são escondidos em várias ilhas existentes no Soyo.

A fonte garante que esse processo é do conhecimento da Polícia Nacional que já prometeu muitas vezes acabar com essa prática, mas debalde.

 “Para disfarçar, a PN faz uma operação de charme, apreende apenas as motorizadas que estão nas bombas e depois lhes acusam que estão a fazer ‘Dokó-Dokó’, enquanto os traficantes ficam intocáveis”, conta, avançando que, “os traficantes aparecem com os bidons nas bombas e têm prioridade.

Tudo acontece sob o olhar impávido e sereno da corporação”. “Quando cai a noite, o negócio intensifica-se. Isso ocorre, porque todos ‘comem’ nisso”, acusa o nosso contacto.

BOMBAS VAZIAS

Durante a reportagem de três dias no município do Soyo, podemos notar que dos mais de 150 postos de combustíveis existentes, nenhum tinha gasolina e gasóleo, mas tinham longas filas de viaturas e motociclos para abastecer a espera.

Apuramos que esses postos são abastecidos regularmente pela Sonangol, mas quando assim acontece, vendem a um reduzido número de clientes e depois anunciam que já terminou. Às altas horas da madrugada entram em cena os contrabandistas que levam todo o combustível.

A fonte garante que boa parte dos gerentes recebem telefonemas dos responsáveis pelo tráfico que não dão o rosto para vender a esses grupos. Os gerentes lhes são comprados todo o combustível e depois recebem como recompensa até 15 mil dólares.

CAMINHOS

As mercadorias são sempre encontradas no interior de embarcações de fabrico artesanal nos canais do rio Zaire, e outras vezes nos caminhos ‘fiotes’ que são criados pelos contrabandistas. Os postos fronteiriços do Kimbumba no Soyo, em Mbanza Congo no Luvo, Minga e Buela no Cuimba, segundo dados obtidos por este jornal são as principais portas de saída do contrabando de combustíveis para a RDC.

 O contrabando de combustível para a RDC é muito intenso fase a longa fronteira que se encontra quase desguarnecida, sobretudo no Norte e Nordeste, e que partilhamos 310 quilómetros de limite com aquele país.

Os caminhos e esquemas, por que passa o contrabando de combustíveis no município do Soyo, que faz fronteira com as localidades de Boma e Muanda, na RDC, mercado privilegiado para o combustível saído de forma ilegal de Angola.

PROVENIÊNCIA

 Os camiões cisternas de combustíveis saem de Luanda de forma legalizada e atingem a província do Zaire. Por baixo dessas cisternas há depósitos adicionais com capacidade para mais de 210 litros.

Os camiões saem de vários pontos de Luanda, porém é no município de Cacuaco e do Cazenga onde funciona os grandes ‘barões’ dos camiões que colocam depósitos a mais. No Cazenga estão na zona da Mabor e do Kikolo e enquanto que em Cacuaco estão nos grandes quintais existentes neste município.

A nossa fonte assegura que o negócio de combustível no Soyo não é controlado pelos mafiosos do Zaire, mas sim, é comandado a partir de Luanda onde estão metidas altas patentes da Polícia Nacional, das Forças Armadas, dos serviços secretos bem como alguns responsáveis da Sonangol.

Para além daquelas figuras que estão envolvidos no contrabando, como também apuramos, estão igualmente procuradores e juízes, que têm como função quando apreendem algum indivíduo nesta prática aplicar a medida menos gravosa, ou seja, pagam apenas multas e são aconselhados a trocarem de área.

MBANZA CONGO

Na cidade capital da província do Zaire, Mbanza Congo, o filme é o mesmo… O afluxo para a procura de combustível é muito difícil. Para os visitantes conseguirem abastecer 20 ou mesmo 50 litros de combustível é impossível, porque naqueles postos não havia. Mesmo no mercado negro é pouca gente que se dedica a venda em locais impróprios.

Apuramos que os altos responsáveis do Governo provincial do Zaire vivem o mesmo cenário, esses vivem de favores da Polícia Nacional que tem um posto de abastecimento para as suas viaturas.

“O governador e o seu ‘staff’ têm que implorar ao delegado do Ministério do Interior e Comandante Provincial da Polícia para abastecerem as nossas viaturas. E há vezes que eles não aceitam, porque alegam ter apenas reserva para os seus carros de patrulha. Aqui o combustível nas bombas é um Deus nos acuda. Os gerentes das bombas preferem vender aos traficantes, por isso é que ele acaba bem rápido”, lamenta um alto responsável do Governo Provincial do Zaire.

COMO ACABAR COM ISSO?

Na visão da economista Marisa Adriano, a única forma de se combater o contrabando de combustível é aumentar o preço da gasolina e do gasóleo, para se igualar ao de outros países da região.

 Referiu que o grande problema é que não existe coragem e vontade política para se fazer isso. “Essa subida do combustível já deveria ter sido feita há muitos anos. Agora que o assunto cria grande constrangimento para a economia nacional, continua-se a protelar. Se fosse feito antes, essa prática criminosa já deveria acabar”.

No seu ver, o contrabando de combustível na RDC acaba por ser uma grande riqueza, sendo por isso que “para eles o negócio não pode parar”.

Em Angola também muitos estão a enriquecer a custa deste negócio ilícito. “Enquanto o preço do combustível em Angola for baixo, o contrabando não vai parar, porque envolve altos responsáveis também”, destacou a economista.

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