No passado dia dois de Março, dois jornalistas deste jornal ficaram cerca de cinco horas presos, no mercado do Luvo, na República Democrática do Congo. Foram acusados de serem agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC) que pretendiam, segundo os opressores, investigar o contrabando de combustível, um negócio apetecível na RDC.

PUNGO A NDONGO

Segundo o Pungo a Ndongo, tudo aconteceu quando depois de termos cumprido com as formalidades migratórias, com a aquisição do passe de travessia, resolvemos visitar o extenso mercado onde qualquer ser humano em seu estado normal vira jornalista por conta da série de episódios caricatos à vista, sentaram-se numa baraca para tomar um refresco, para depois regressarem ao território angolano. Próximo do local, havia um posto de agentes da polícia da guarda fronteira que ora mandavam parar veículos e motorizadas de carga que volta e meia cobravam dinheiros, de forma normal e aberta, em troca da passagem.

Eram cerca de 13 horas, quando um de nós tentou, de forma discreta, captar a imagem de uma mota de três rodas que se confundia com uma montanha, pelo volume de embrulhos, e ao aproximar-se ao local onde se encontravam os agentes da guarda fronteira captou.

Foi a gota de água. Quatro agentes à paisana interceptaram-nos compulsivamente arrastando-nos para o outro lado da rua onde se encontrava um grupo de agentes fardados e armados, numa composição de cerca de 20, tiraram brutalmente os telefones e os cerca de 50 mil kwanzas que se encontravam no bolso frontal direito.

“Binó ba angolés boza batu mabé, bolingui te bisó tu zua petróleo na binó, chikoi boza cofilmé bissó”, desabafo de dois efectivos da guarda fronteira, que traduzido, diziam que os angolanos eram maus, pois não permitem que os congoleses adquirem o seu combustível e vêem para o nosso território tirar fotos.

O colega jornalista Cazuza que se encontrava na baraca, ao dar conta da situação, marcada por empurrões, tentou pedir explicações e foi igualmente detido e ambos conduzidos até a uma esika ebele”, prendemos dois espiões angolanos, filaram e fotografaram vários locais. Cerca de 30 minutos depois, aparecem dois elementos fardados, um com patentes vermelhas, bem uniformizado, concentrou-se em nós sentados, olhou para o barro húmido e ordenou os seus companheiros que dessem-nos cadeiras, o que aconteceu de imediato.

Recebeu os dois passes de travessia emitidos pelo Serviços de Migração e Estrangeiros (SME) e os dois telefones, por coincidência, pertencentes a um de nós, pois o do outro profissional que continha mais imagens da reportagem tinha ficado sob guarda da dona da baraca. O alto oficial observou as imagens nos dois telefones e ordenou a transferência para um outro local. Casota onde se encontravam mais agentes. Ordenados a sentarmo-nos no chão de terra húmida, encostados à parede, ouvimos o desfile de tudo que é ofensa com gestos à mistura.

Se o diálogo normal e amigável entre zairenses é acompanhado de muitos gestos, quase que os braços abandonam o tronco, imaginem quando a intenção é ofender, quase que picavam os nossos olhos. Não víamos a hora de sair daquele calvário.

Um de nós falava francês e lingala, mas fingiu como se não estivesse a entender, o que permitiu acompanhar toda a conversa dos algozes que diziam que se tratava de agentes espiões ao serviço do Governo angolano.

E a informação espalhou-se: “Tokangui espions mibali angolais, basali vídeo na foto na esika ebele”, prendemos dois espiões angolanos, filaram e fotografaram vários locais. Cerca de 30 minutos depois, aparecem dois elementos fardados, um com patentes vermelhas, bem uniformizado, concentrou-se em nós sentados, olhou para o barro húmido e ordenou os seus companheiros que dessem-nos cadeiras, o que aconteceu de imediato.

Recebeu os dois passes de travessia emitidos pelo Serviços de Migração e Estrangeiros (SME) e os dois telefones, por coincidência, pertencentes a um de nós, pois o do outro profissional que continha mais imagens da reportagem tinha ficado sob guarda da dona da baraca.

O alto oficial observou as imagens nos dois telefones e ordenou a transferência para um outro local.

A TRANSFERÊNCIA

Minutos depois, entrou na sala um homem franzino que recebeu os haveres que estavam na mão do alto oficial, observou as imagens e tal como os cerca de 30 militares falou e gesticulou: “Bino ba angolais bozali batu ia mabe. Ma niama. toquenda”, ou seja, vocês os angolanos são maus, seus animais. Vamos.

Subimos num turismo de marca Toyota, volante à direita, à semelhança da maioria dos veículos, com mais três militares armados, e caminhamos cerca de dez minutos, até a uma casota, no interior do bairro, com dois compartimentos: o gabinete do franzino, um homem de poucas palavras, que era tratado de “comandant”, e de um outro, talvez seu adjunto. Pelo caminho um dos militares questionou um dos profissionais: “Io oza na san dólar? Soki te, bo kota na boloko!”, ou seja, vocês têm cem dólares? Caso não, vão para a cadeia”.

Assim afirmou o militar em tom alto, sem temer a presença do chefe franzino, por coincidência o mesmo que tinha subtraído os 50 mil kwanzas Eram cerca de 15 horas. Minutos depois os jornalistas foram convidados a ir para um outro local, a pé, cerca de 500 metros. No local estavam dez a doze homens à paisana. Observaram talvez pela trigésima vez as imagens, mas antes e como sempre, pediram para desbloquear o telefone.

O presumível chefe no novo local, orientou um dos companheiros para fixar o código do telefone, ao que o jornalista respondeu que o desbloqueio do ‘Ifone’ 14 era com a impressão facial. “Oh, nzoka alobaka lingala”, “oh afinal fala Lingala”.

Este orientou ao franzino que apagasse as imagens que achava serem constrangedoras ou vergonhosas para o país e assim foi vasculhando uma a uma. “Pua Nanini akanga ka foto na ba mbila. Tala oi, tala lisuso oi”, porque fotografou também os policias. Olha esta, olha mais esta. Da senhora, a única mulher nesta odisseia, veio uma orientação: “tem de apagar também nos apagados, para evitar a recuperação”.

O franzino orientou o dono do ifone a fazer esta operação, mas este disse que não sabia, o que enfureceu o homem, questionando como é possível não dominar o seu aparelho. Ouve tentativas por parte da mulher, mas esta devolveu o aparelho dizendo que não dominava o ifone.

REGRESSO AO GABINETE DO FRANZINO

 De regresso ao gabinete do franzino, o adjunto colheu dados do nosso ifone, reservando-se a anotar somente o nome do colega Cazuza pelo facto de, segundo eles, o seu telefone não ter imagens do mercado.

Por volta das 15 horas, o franzino despediu-se dizendo que iria almoçar e regressaria em 30 minutos para ver a questão dos jornalistas. “Atention, amande ezanga te”, atenção têm de pagar multa, disse o franzino dirigindo-se ao seu adjunto.

Demorou uma eternidade e só às 17.30 regressou, quando faltava pouco menos de 30 minutos para a fronteira encerrar.

A CAMINHO DA LIBERTAÇÃO

Incomunicáveis, porque os três telefones estavam nas mãos dos zairenses, dois aprisionados e o outro, certamente em boas mãos, portanto, da senhorita da baraca que em poucos minutos mostrou-se interessada a partir para Angola com o jornalista, num dialogo presenciado pela irmã mais velha desta e do cunhado, até foi cantada a música do General Defao : “Ba parentes balingui mamona bokilo”, a família quer ver o genro.

Terá havido, seguramente, muitas tentativas de contactar os dois jornalistas por parte dos companheiros na cidade petrolífera do Soyo, onde a equipa trabalhou durante dois dias, e dos de Mbanza Congo, com quem havia a promessa de um almoço, mas tudo caiu em saco roto.

O certo é que de repente o chefe franzino chamou um de nós: “Monsieur, parle avec lui etapres on va parti”, fala com ele, apontando para o seu adjunto, e depois partirmos.

O homem disse para conversar com o adjunto e depois vamos partir, traduzimos para o seu companheiro não falante das línguas lingala e francesa, que, assustado, perguntou: “Para a cadeia ou para a fronteira, ao que o outro respondeu que não sabia.

Sem demora, o profissional dono do ifone foi convidado a entrar num quartito e o adjunto perguntou sem rodeios: “Papa oza na combien, eza amande te, mais agradeciment, parce que tolingui to libere bino”, o que traduzido perguntava quanto dinheiro tínham para agradecer os algozes, pois foram orientados a libertar os jornalistas.

Mesmo tendo sido informados que no local da apreensão, um elemento terá subtraído 50 mil Kwanzas, a exigência para a libertação ficou fixada em cem mil. Cumprida a exigência, o franzino convidou-nos a subir para a viatura e rumamos em alta velocidade em direcção à fronteira.

Buzina e intermitentes ligados, uma mão no volante e a outra dando sinal para as viaturas e os rebocadores de mercadorias em sentido contrário que se afastassem, chegamos, finalmente, no posto fronteiriço.

Antes, uma breve paragem na baraca para recolher o telefone e pagar dívida do consumo feito. E quando os jornalistas pensavam que tudo estava resolvido, enganaram-se. Conduzidos a um gabinete, presume-se que era do chefe máximo do posto fronteriço, para mais uma ofensa. “Ba expion angolais, ba salaki vídeo, na ba foto ibele”, a ultima mensagem ao chefe, sentado por traz de uma mesa vasta cheia de papeis, quatro telefones. “Mais bino bozali ba niama.

Petróleo na bino, bolingui co pesa te. Ba niama, bo kunda. Bobima”, vocês sois animais, disse o homem escuro e mal encarrado.

A LIBERTAÇÃO

Acompanhados pelo franzino, passavam das 18, a fronteira já fechada, um de nós deu conta que a chave da viatura não estava no porta-chaves pendurado na cintura, para a desgraça da dupla.

Surgiu a divisão de tarefas: tu vais pegar os bilhetes de identidade e eu vou com o franzino na viatura, pois desconfia-se que a chave da viatura terá caído da viatura.

Sem perca de tempo, com o franzino visivelmente preocupado, destrancou a viatura e a chave, que se soltou por conta dos apertos numa viatura de quatro ocupantes, mas a transportar sete, normal no Congo, estava no banco da traz, para a nossa felicidade.

Certos que o sofrimento fazia parte do passado, depois de recebermos todos os nossos haveres, dirigiamo-nos para a portaria.

Passavam 20 minutos da hora de encerramento da fronteira. Rogamos favores para a abertura da fronteira, mas sem sucesso.

Um buraco tapado com uma barra de ferro grossa no fim da cerca: “É desta vez que se busca a força divina”, murmuramos, sacudimos o susto e atingimos a zona neutra. Do lado angolano a fronteira estava igualmente fechada, mas o grito de socorro dirigido a pessoas que falam a mesma língua foi prontamente atendido.

Uma oficial do SME, uma senhora simpática, orientou prontamente a abertura do portão para a nossa alegria e das cerca de duas dezenas de angolanos que por diversas razões atrasaram a abandonar o território zairense.

Eram 18h45, no parque que por volta das 12 horas, altura em que chegamos ao espaço fronteiriço, estava superlotado, com centenas de camiões e viaturas ligeiras, só estava um e único meio, o nosso. Então, de imediato rumamos de regresso a Mbanza Congo, enfrentando pela via o encandeamento de viaturas que adaptaram longos que mesmo com o jogo de luzes da viatura em sentido contrário, eles não reagiam.

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