A população da comuna do Cuango, município de Kimbele, província do Uíge, aguardava pela ascensão da povoação à categoria de município. Viam nisso um passo para a redução dos inúmeros problemas, mas o sonho ‘esfumou-se’ por razões que os governantes locais não conseguem explicar, como contam os sobas que vieram a Luanda expressar a sua frustração.

C uango, com uma população na ordem de 33 mil 93 habitantes atravessa momentos dramáticos, por falta de quase tudo. “Falta até uma caixa de fósforo, para não falar de um comprimido de paracetamol para a dor de cabeça”. “A boca é minha, mas o clamor é dos habitantes da comuna que dista a 183 quilômetros da sede municipal.

Estamos doentes e a nossa temperatura já atingiu os 40 graus, faltando apenas um grau para a tragédia final”, desabafou o regedor Uidica Nzagi Tsungo, da regedoria de Suà Itomba, um dos três integrantes do grupo que veio a Luanda para a apresentação desta preocupação às distintas sensibilidades do país, incluindo ao Presidente da República.

A questão em causa, de acordo com o regedor, tem a ver com a divisão político administrativa da comuna do Cuango que em 2022 foi proposta para ascender à categoria de município, conforme atestam os documentos em sua posse, mas por razões que desconhece, as coisas tomaram outro rumo. Segundo o regedor, no pensamento de toda a população do Cuango, esta ascensão, seria o ponto de viragem para a solução dos inúmeros problemas sociais existentes. Porém, nas várias reuniões tidas com o go verno provincial foi abordada a questão da divisão política administrativa e na ocasião foi entregue aos presentes o mapa onde constava o Cuango, com a designação de Cuango Fronteira. Esta designação de ‘Fronteira’, disse o regedor, originou um debate aceso, em que as autoridades tradicionais propuseram a designação de Cuango Calumbo, nome do rei daquela localidade que recebeu as primeiras autoridades coloniais que chegaram à região.

ALEGRIA OFUSCADA

A questão da ascensão da comuna do Cuango à categoria de município, alegrou a população que reconheceu o gesto como sendo a valorização da identidade cultural por parte das autoridades.

“ALGUÉM OS INFLUENCIOU PARA CHEGAREM ATÉ LUANDA E DE FORMA INOCENTE PERDERAM TEMPO PARA IR À CAPITAL DO PAÍS PARA DISCUTIR UM PROCESSO DO ESTADO QUE ESTÁ EM ACÇÃO”

Para o regedor, a desgraça da população que aguardava a proposta de elevação do Cuango a categoria de município, esfumou-se porque apareceu dias depois um outro mapa, com a data de Dezembro de 2023, em que o Cuango já não estava contemplado.

A fonte lamenta o facto de para além do novo mapa que chegou às autoridades tradicionais, nenhuma informação transpirar para explicar a razão da retirada do Cuango no novo mapa. Neste novo documento, de Dezembro último é proposta a localidade do Alto Zaza para a subida à categoria de município, uma realidade que entristeceu a população do Cuango, uma localidade que dista a 183 quilómetros, contra os 45 do novo local proposto.

E para não variar, Tsungo, que não encontra nenhuma explicação para aquilo que chama de injustiça. Recorre à história e explica que o Cuango foi a primeira localidade a ser fundada, em 1911.

Naquela época, lembra, o Kimbele e o Alto Zaza não tinham a categoria de comuna. Depois do Cuango é que as autoridades coloniais começaram a construir o Kimbele, em 1933. Seguiu-se depois a edificação da comuna do Ikoca, em 1972, a localidade do Alto Zaza, que na altura era chamada de Cabaka, tendo passado à categoria de comuna.

MILHÕES DESVIADOS

O regedor Uidica Nzagi Tsungo diz que sobre injustiças às populações do Cuango a lista é longa. Recorda que o finado Presidente José Eduardo dos Santos havia disponibilizado verbas para a reparação da estrada que liga o Cuango à sede municipal, mas foram desviadas pelo munícipe António Chagas, o auto-intitulado rei Muana Uta.

De igual modo, foram desviados para o Alto Zaza os tractores destinados ao Cuango para a abertura de estradas.

Aquela autoridade tradicional diz que de desvios por parte de António Chagas não é tudo, pois o título de rei que ele ostenta é falso, por este não pertencer à linhagem do rei Calumbo. 

Estas falcatruas, todas de António Chagas, diz o regedor, têm a ver com o facto de este ser membro do Conselho de Auscultação provincial.

De acordo com o regedor Tsungo, António Chagas que diz ser rei do Cuango nunca chegou àquela localidade e como tal desconhece os reais problemas e as dificuldades que passam as populações da região.

Este jornal tentou contactar Antônio Chagas, mas sem sucesso, pois os dois contactos fornecidos estavam desligados.

MUTISMO DO GOVERNO

Questionado sobre a razão que levou esta delegação a procurar a solução dos ‘mil e um problemas’ do Cuango na capital do país, o regedor Uidica Nzagi Tsungo justificou dizendo que o Governo Provincial do Uíge já recebeu variadíssimas reclamações, mas desconhece porque carga de água é que nunca disse nada.

Até casos dos desvios de dinheiro destinado à reparação de estradas e das máquinas chegou ao conhecimento do governo da província, mas sem nenhuma solução. “Não sei o que se passa”, questiona a autoridade tradicional que diz que se a situação tem a ver com a filiação partidária, ele é também do partido que governa e é membro do comité comunal.

Como deu a conhecer o regedor de Suà Itombe, em Luanda, a delegação pretende contactar várias sensibilidades desde o ministro do território, responsáveis do MPLA ou se possível o Presidente da República.

MUITOS PROBLEMAS

A deslocação para o local da venda dos produtos do campo consta das inúmeras dificuldades que a população enfrenta. Os interessados têm duas opções: deslocar-se ao mercado na sede municipal, Kimbele, num percurso de 183 quilômetros, que leva entre três a quatro dias de andamento a pé, com a carga, contra todos os riscos entre animais ferozes, longa distância e outros.

A outra saída é deslocar-se à localidade de Zina Kuteba, na RDC, cuja travessia dos rios Cuilo e Cuango é deveras perigosa.

Cuando tem 104 bairros, o mesmo número de sobas, dos quais 50 recebem subsídios do Estado.Os demais aguardam por este benefício governamental desde 2022.

 A falta de bancos em todo o município de Kimbele é outra complicação com que os munícipes se debatem.

Para o caso das autoridades tradicionais que recebem o subsídio por via do banco, 24 mil para o regedor e 14 para o soba, a solução passa pela deslocação ao município de Sanza Pombo, cerca de 400 quilômetros de percurso que custa seis mil kwanzas para o levantamento do subsídio que considera mísero.

 Não existem escolas, uma realidade que obriga centenas de alunos a recorrer à missão protestante de Zina Kuketa, uma localidade pertencente à República Democrática do Congo (RDC), com todos os riscos que advém da travessia de dois rios de grande dimensão, portanto o Cuango e o Cuilo, de canoa.

Outra situação triste tem a ver com a falta de postos médicos. Em situação de doença, a população recorre à medicina tradicional e caso não haja resultados satisfatórios, a solução passa pelos estabelecimentos de saúde da RDC. Ante este mar de dificuldades, “sobreviver no Cuango é só com o amor de Deus”, como lamenta o regedor Tsungo.

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