Procuro sentido no inexato….

Meu psicológico perplexo,

Somente eu entendo, horas sombrias,

Do nada resplandeço como dia ameno.

Dias são longos, palavras amiúdes me cercam,

Por todos os lados, alterando o meu humor.

Fabiane Braga Lima

Aquela parte da cidade portuária era mesmo um caso à parte, emparedado por um maciço, uma morraria tendo à frente uma via rápida, uma avenida de mão dupla que fornecia duas ruas de entrada e saída do lugarejo. O pequeno bairro, um pretenso espaço feito para servidores públicos do aparato repressivo, policiais, mas também abrigava bombeiros militares e também alguns desavisados. Sem um comércio pouco desenvolvido, a localidade tinha ares de uma pequena cidade do interior.

E o tempo, mesmo correndo lento naquela paragem, modificou a fauna e flora do lugar. Em algumas edificações, alguns prédios começaram a brotar no lugar. Então espaços típicos da sociedade estratificada, corpos estranhos, nas maiores pessoas foragidas da agitação de grandes centros urbanos. Que em nada mudam a atmosfera tranquila e lenta do lugar.

E então uma zona morta, apareceu a margem noroeste, próxima a estrada e saída oeste, pessoas com estilo de vida alternativa, como não adentravam no cerne da localidade, os demais moradores não se importavam com o vai e vem de pessoas diferenciadas.

Louis Charles Prêt, o antilhano, o Bruxo, mas o Luís Carlos para a maioria, com seus longos cabelos dreadlock, uma longa barba grisalha, trajes praianos, pele amendoada e olhos verdes claros. Mas quem era? De onde viera? E como vivia? Ninguém sabia dizer. O que sabia que era um exilado, de uma ou mais ditadura. O deslocado, sentado complacentemente, na varanda da sua casa, esperava o inevitável, entre acenos e óis para quem passava.

Somente quando as três figuras, morenas, esquálidas, maltrapilhas e marginais para na frente da casa de Luís Carlos, eles estavam montados e precárias bicicletas. Luís tinha lidado, com estes tipos ao longo da vida, muitas das vezes, bem vestidos, ou uniformizados. 

— Luís? — Perguntou o que aparentava ser o mais velho!

— Sou eu mesmo! — Luís, se deslocou lentamente até o portão da casa, apontou para o mais velho. — Sou mesmo, senhor Getúlio! 

Os três se entreolharam e voltaram as suas atenções para Luís, que devolveu com um olhar gélido.

— E você é o Dornelles! — Disse Luís apontando para o que esquerda.

— E eu? Quem sou! — Disse feroz da direita.

— O senhor é o Vargas! — Falou triunfante Luís e continuou — Feitas as apresentações, que os senhores desejam?

— Olha senhor! — Falou entrecortado Dornelles

— Vamos entrar! — Falou Luís apontando para dentro da sua casa.

Os três desceram das bicicletas e lentamente seguiram o dono da casa, Luís ficou ao lado da porta esperando os três convidados entrarem. Uma vez dentro da casa os três elementos levaram um justo, viram um ambiente ricamente decorado. Um ambiente sofisticado, com mobiliários e luminárias tipicamente europeu, nas paredes quadros com temática afro-caribenho, afro-latino e africano e no chão tapeçaria indígena fazendo par com cerâmicas da mesma temática.  

Um robô aspirador de pó vagava pela sala de estar, de lado para outro até desaparecer por um corredor estreito. O dono da casa, falou alto em francês, convidou os três a se sentarem, os quatros se instalaram em confortáveis poltronas. 

— O que posso fazer pelos senhores? — Perguntou o dono da casa.

— Simples, disseram que o senhor tem algo de especial! — Falou Getúlio.

— O quê? — Perguntou incrédulo o dono da casa.

— Estávamos na praia e uma dona disse…

— Olha meus amigos! — Falou o dono da casa interrompendo Vargas e continuou — Eu não sei quem é esta dona e nem quero saber e não é de bom tom desconhecidos vir na minha casa em plena luz do dia e fazer qualquer proposta indecorosa. 

Uma voz gélida sussurrou nos ouvidos de Luís, deixando pasmo e uma senhora idosa apareceu na sala de estar, ela usava um típico traje de uma serviçal francês.

— Il a appelé mon seigneur! — Disse a senhora em francês com sotaque belga.   

— Na língua dos senhores Brigitte! — Disse Luís olhando para a senhora e continuou — Traga-me chá e charutos. E os senhores querem algo, alguma coisa?

— Não queremos beber nada — Disse Vargas de forma enfática.

Brigitte saiu da sala sem nada dizer, um silêncio constrangedor pairou no ar e um olor de rosas frescas inundou a sala de estar.

— O que os senhores procuram não está aqui, mas logo digo que o que os senhores estão querendo, ou procurando é caro demais e sugiro que saiam daqui e não olhem para trás.

Luís olhou para os três, e sentiu todas as dores do mundo, sombras, escuridão profunda em meio de vidas arruinadas. O dono da casa, recostou no sofá e se deu por vencido.

— O que os senhores procuram não está aqui! — Disse o dono da casa e levou a mão até a mesa de centro, pegou um caderno de notas e uma caneta, rabiscou, dobrou o bilhete e entregou para Vargas.

— Então? É isto?  — Perguntou Dornelles.

— Sim! O que os senhores procuram está neste endereço, mas voltou a dizer que o preço é alto e não falo em dinheiro. E sim de um sacrifício extremo e espero mesmo que os senhores mudem de ideia!

Os três sorriram, gargalhadas altas e uma tensão tomaram conta do ambiente. E Brigitte voltou com uma bandeja de prata, trazia um pequeno aparelho de chá e quatros charutos caribenhos, a serviçal colocou o aparelho de chá na mesa de centro e retirou. Luís pegou os charutos, cortou as pontas e passou os charutos, entregou para os três e despejou chá em uma chávena. E levou até a boca e degustou, Luís sentiu todas as dores do mundo e se afogou em negras lágrimas e sangue que escorre em fundas feridas abertas de velhas chagas.       

Fragmento do livro Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Fotografia de Rute Margarida Rita, fotógrafa e empreendedora em Itajaí, Santa Catarina.

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