O salário oficial do Presidente da República em Angola é, na verdade, uma encenação nacional digna de teatro de feira: não impressiona ninguém, não convence ninguém, mas insiste em ocupar o palco como se fosse a peça principal.

Segundo o guião desta farsa, é a partir do vencimento presidencial que se estabelece a grelha de referência para todos os salários da função pública. Um Presidente que supostamente “ganha mal” serve de régua para medir o que deputados, juízes, professores, médicos, militares, polícias, técnicos de saúde e funcionários administrativos irão levar para casa, ou seja a partir do salário mínimo. É como se o Estado dissesse: “se até o Chefe de Estado se contenta com pouco, por que haveriam vocês de reclamar?”

O problema é que, enquanto o Presidente ostenta este salário simbólico – quase um salário de monge franciscano – é o mesmo Chefe do Executivo que assina decretos que fixam salários “astronómicos” nas empresas públicas estratégicas. A ironia é grotesca: no país onde se proclama que o Presidente ganha pouco, gestores da Sonangol, da ENSA, da TAAG, da Sodiam, da Endiama, do BNA ou da AGT recebem remunerações que fazem corar de inveja banqueiros da Wall Street. Há prémios de desempenho que parecem saídos de lotarias internacionais, subsídios de representação que dariam para sustentar vilas inteiras e mordomias que fariam um presidente europeu repensar a carreira.

Em Angola, a “pirâmide salarial” é de cabeça para baixo: o vértice do Estado ganha menos que os seus próprios subordinados. O Presidente, que é supostamente o “mal pago”, vive num regime de austeridade fictícia; já os gestores das empresas públicas vivem numa realidade paralela, uma espécie de Dubai em Luanda, onde um salário mensal ultrapassa em milhões de kwanzas o vencimento oficial do Chefe de Estado.

A sátira torna-se ainda mais saborosa quando se pensa no argumento de moralidade que a máquina do poder tenta vender: “Temos de apertar o cinto, somos um Estado pobre, todos devem sacrificar-se.” Sacrifício, aqui, é uma palavra que só não passa da boca para fora. Porque enquanto o cidadão comum e o servidor público médio sobrevivem com salários de fome, os administradores da Sonangol ou da Endiama e outros praticam o verdadeiro desporto nacional: o levantamento de cifras.

Se levássemos esta lógica ao absurdo – que em Angola é sempre muito parecido com a realidade – amanhã descobriríamos que o salário de um motorista da Sonangol supera o do Presidente da República, e que o Presidente da Assembleia Nacional ganharia menos que um consultor externo contratado por uma empresa pública para redigir relatórios que ninguém lê.

O salário do Presidente da República, portanto, não é apenas baixo. É uma caricatura. É a cortina de fumo perfeita para um sistema em que os verdadeiros salários milionários se escondem nas empresas públicas transformadas em feudos privados de luxo. É a farsa institucionalizada que nos pede para acreditar que quem governa se sacrifica, enquanto quem gere empresas públicas prospera como se fosse dono delas.

O salário presidencial não é um valor: é uma anedota oficial. E como todas as boas anedotas, provocam gargalhadas – a verdade é que em Angola, as gargalhadas soam e saem amargas.

OBRIGADO!

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