A Polícia moçambicana lançou hoje gás lacrimogéneo para dispersar as pessoas que se começavam a juntar para participar nas marchas pacíficas convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane repudiando o homicídio de dois apoiantes. A Polícia usou granadas de gás lacrimogéneo e tiros para o ar na tentativa de dispersar os manifestantes. Recorde-se que a pobreza em Moçambique, país governado desde a independência pela FRELIMO (o MPLA do Índico) aumentou 87% em dez anos, atingindo em 2022 cerca de 65% da população.
Por volta das 08:20 locais, a cerca de 50 metros do local do início da concentração, foi disparado um tiro de gás lacrimogéneo para dispersar um pequeno grupo de manifestantes, tendo a polícia levado dois deles.
Em declarações à Lusa no local, Armando Morona disse que foi atingido pelo gás e que as autoridades não disseram nada: “Só estão a disparar para um lado e para o outro”
“Mas eles que nos aguardem, estamos aqui, ninguém vai recuar”, disse o manifestante, referindo que a situação em Moçambique é “uma vergonha à escala mundial, onde se mata um advogado”.
“A polícia está a fazer esta pouca vergonha, isto é mais um repúdio aos resultados eleitorais”, referiu.
Numa ronda feita pela Lusa na capital moçambicana foi possível constatar uma cidade com trânsito anormalmente reduzido para o primeiro dia semana de trabalho, poucos transportes a funcionarem, embora algum movimento pedonal e cafés a funcionar.
Também era visível algum reforço policial, sobretudo na zona prevista para a saída da marcha, o local do duplo homicídio de sexta-feira, e igualmente junto à sede do município.
“Vai ser a primeira etapa, pacífica, em que nós vamos paralisar toda a actividade pública e privada. Vamos para a rua com os nossos cartazes, vamos manifestar o nosso repúdio”, anunciou Venâncio Mondlane, no sábado, em Maputo, no local em que dois apoiantes foram assassinados.
Garantiu que a greve, no sector público e privado, que tinha pedido para hoje, em contestação aos resultados preliminares das eleições de 9 de Outubro, é para manter, passando agora para a rua, e responsabilizou as Forças de Defesa e Segurança (FDS) pelo duplo homicídio.
A Polícia moçambicana confirmou no sábado que a viatura em que seguiam Elvino Dias, advogado de Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoia Mondlane, mortos a tiro, foi “emboscada”.
O crime aconteceu na avenida Joaquim Chissano, centro da capital, e segundo a polícia uma mulher que seguia nos bancos traseiros da viatura foi igualmente atingida a tiro, tendo sido transportada para o hospital.
A Polícia moçambicana avisou, antes do duplo homicídio que levou à convocação da marcha, além da paralisação, que iria travar qualquer acto de violência e desordem pública que ocorra hoje.
As eleições gerais de 9 de Outubro incluíram as sétimas presidenciais – às quais já não concorreu o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos – em simultâneo com legislativas e para assembleias e governadores provinciais.
A CNE tem 15 dias para anunciar os resultados oficiais, data que se cumpre em 24 de Outubro, cabendo depois ao Conselho Constitucional a proclamação dos resultados, após concluir a análise, também, de eventuais recursos, mas sem prazo definido para esse efeito.
Venâncio Mondlane e jornalistas atacados durante entrevista. Polícia dispersa manifestantes com gás lacrimogéneo e tiros. Um jornalista ficou ferido.
Segundo a DW, a Polícia moçambicana dispersou hoje uma manifestação no centro de Maputo, convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, em protesto contra o homicídio de dois dos seus apoiantes. A força policial carregou sobre dezenas de pessoas que se concentravam no local.
Por volta das 10:00 locais, a polícia intensificou o uso de granadas de gás lacrimogéneo e tiros para o ar na tentativa de dispersar os manifestantes. Em resposta, os participantes lançaram pedras e artefactos pirotécnicos. Durante a operação, um jornalista ficou ferido.
Os confrontos começaram cerca das 07:30, quando as forças policiais começaram a dispersar os grupos que se preparavam para participar nas marchas pacíficas. Além disso, a polícia utilizou cães e um helicóptero que sobrevoava a zona do duplo homicídio ocorrido na sexta-feira.
PEIXE PODRE, FUBA PODRE E… PORRADA EM QUEM REFILAR
Apobreza em Moçambique, país governado desde a independência pela FRELIMO (o MPLA do Índico) aumentou 87% em dez anos, atingindo em 2022 cerca de 65% da população, segundo dados da Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE) 2025-2044.
Segundo o relatório, “a pobreza tem afectado uma parcela significativa da população, com características demográficas e socioeconómicas distintas, devido aos vários eventos adversos que tem influenciado negativamente o país, com o destaque para os eventos climáticos como ciclones Keneth e Idae que afectaram significativamente a vida da população, causando danos económicos e sociais avultados”.
De acordo com o documento, os efeitos foram ainda “conjugados com o aumento dos preços dos alimentos e os choques climáticos que afectam a produção agrícola das famílias e o sector de transportes, e a situação de terrorismo no norte” de Moçambique.
O relatório descreve que “em termos de pobreza as estimativas indicam um aumento na pobreza de consumo, de 46,1% em 2014/15 para 68,2% em 2019/20, mas que “reduziu ligeiramente para 65,0% de 2019/20 para 2022”, neste caso atingindo sobretudo as áreas rurais (68,4% da população), mas também as áreas urbanas (58,4%).
Nas regiões a norte, mais de 70% da população era afectada pela pobreza de consumo.
Já a pobreza multidimensional “registou uma variação mais estável da taxa, passando de 55% em 2014/15 para 53,1% em 2022, sugerindo melhorias no acesso à educação e água potável”.
“No entanto, ainda prevalece o desafio de condições habitacionais adequadas com acesso a água e saneamento seguro, electricidade e a posse de bens duráveis, com maior ênfase nas zonas rurais onde reside 66,6% da população total do país”, lê-se.
O documento também afirma que a protecção social no país “registou avanços da Segurança Social Básica no período de 2010 a 2023, nomeadamente com o “aumento de beneficiários de 254 mil para 384 mil”, enquanto os valores das transferências sociais passaram de 0,47% para 0,73% do Produto Interno Bruto (PIB) no mesmo período.
Já a despesa pública com programas de acção social passou, em dez anos, de 0,2% do Produto Interno Bruto para 0,51% do PIB.
O Governo moçambicano identificou necessidades de financiamento de 246 mil milhões de euros para implementar os cinco pilares prioritários da Estratégia Nacional de Desenvolvimento até 2044.
“É um compromisso comum com o futuro do país. Ao implementar esta estratégia revista, Moçambique reforça a capacidade de enfrentar os desafios do presente e construir um futuro próspero e sustentável para todos os cidadãos”, lê-se no documento.
A ENDE define como pilares para os próximos 20 anos a Transformação Estrutural da Economia, com investimentos de quase 176,5 mil milhões de dólares (165 milhões de euros), e a Transformação Social e Demográfica, com 23,9 mil milhões de dólares (22,3 mil milhões de euros).
A estratégia incorpora ainda os pilares de Infra-estrutura, Organização e Ordenamento Territorial, prevendo investimentos de 24,7 mil milhões de dólares (23 mil milhões de euros), de Governação, Paz e Segurança, com 21,3 mil milhões de dólares (19,9 mil milhões de euros), e de Sustentabilidade Ambiental, Mudanças Climáticas e Economia circular, com 17 mil milhões de dólares (15,8 mil milhões de euros).
A estratégia parte de uma taxa média actual de crescimento económico de 5%, para 9% no período até 2028, chegando a 9,2% no período até 2043. Já a taxa de desemprego deverá cair da média actual de 18,4% para 7,5% até 2043, enquanto a previsão para a inflação é passar de 7,1% para 9,2% até 2028, descendo para 3,1% até 2043.
Já em 2010 o magnata britânico de origem sudanesa Mo Ibrahim disse, em Moçambique, algumas verdades que arrasavam os donos do poder em quase todos os países africanos. Se fossem ditas hoje continuariam actuais.
Mo Ibrahim, que acumulou fortuna no sector das telecomunicações no Reino Unido, responsabilizou as “falhas monumentais dos líderes africanos após a independência”, explicando sem meias palavras que, “quando nasceram os primeiros Estados africanos independentes, nos anos 50, África estava melhor em termos económicos”.
Não sabemos se Filipe Nyusi e João Lourenço, por exemplo, estão satisfeitos com estas afirmações de Mo Ibrahim. Provavelmente não. As verdades têm destas coisas.
Mo Ibrahim explicou que “as enormes falhas na governação provocaram o retrocesso”.
Mas as verdades não ficaram por aqui. Mo Ibrahim culpa também os cidadãos porque foram eles que permitiram que os destinos do continente fossem conduzidos por maus líderes.
O empresário qualificou de “vergonhoso e um golpe à dignidade” a contínua dependência de África em relação ao ocidente, tendo em conta os “recursos impressionantes” que abundam no continente.
“Não se justificam a fome, a ignorância e a doença que assolam África”, enfatizou Mo Ibrahim, para quem a solução terá de passar obrigatoriamente por “bons líderes, boas instituições e boa governação”, sem os quais “não haverá Estado de Direito, não haverá desenvolvimento”.
Folha 8 com Lusa e DW