O economista Fernando Heitor, olha com desalento para a situação económica do País e para a degradação da qualidade de vida dos angolanos. Não se escuda a falar sobre a sua saída da UNITA e da aproximação ao MPLA que, afinal de contas, surgiu através de um convite pessoal de João Lourenço.

Nos últimos anos a nossa realidade económica não tem sido das melhores. Como economista, como olha para os indicadores macro-económicos?

Devo dizer que todos os dados reais que podem ser recolhidos, quer provenientes do Executivo, quer de entidades internacionais, apontam que a situação económica de Angola está má. Ou seja, dito de uma outra perspectiva, não está boa. Por quê? Porque os indicadores macro- -económicos do nosso país são, na maior parte dos casos, maus e a nossa economia está doente.

Está difícil inverter este quadro…

A taxa de inflação está em 31,0% e a taxa de câmbio é proibitiva. O dólar é proibitivo porque a moeda nacional está a desvalorizar- -se cada vez mais perante as moedas estrangeiras. São essas moedas que fazem a economia angolana funcionar. Temos vindo a acompanhar o aumento significativo no preço destas moedas, principalmente no último ano. A crise cambial fez aumentar a escassez de divisas da parte dos operadores económicos. Estes não conseguem fazer importações, quer de bens de consumo, quer de matérias-primas, e até mesmo de ferramentas e máquinas de equipamentos.

Estas limitações fazem com que as empresas estejam cada vez mais sufocadas?

Exactamente. Se a moeda principal que permite que os agentes importem bens de consumo, acabados, ou bens intermédios, insumos, matérias-primas, acessórios, ferramentas, sobressalentes, um conjunto de coisas que Angola não produz, está escassa, é óbvio que os custos de produção aumentam. E aumentando os custos de produção, a produção local tem também um custo e um preço de venda mais alto. E aí surge o problema dos preços na economia. Como deve saber, os preços na economia angolana são muito altos e isto tem reflexos na vida das famílias e encurtam os rendimentos dos assalariados.

Que têm perdido cada vez mais poder de compra…

Na alta dos preços, só o salário é que não sobe na mesma proporção da inflação. Este é outro problema. Enquanto os preços dos bens de consumo aumentam e têm estado a aumentar significativamente, o preço do salário aumentou só um bocadinho, em consequência da greve que os funcionários públicos fizeram. Mesmo assim, este aumento não cobre na totalidade a taxa de inflação actual.

E a problemática do desemprego?

O desemprego é altíssimo. Está na ordem dos 30%. As consequências nas famílias, sabemos, são terríveis. O homem desempregado deixa de ter o seu papel de pai, educador, ou pelo menos esse papel é reduzido. Se tiver a mulher que trabalha, então a mulher comanda as coisas em casa. As famílias estão cada vez mais pobres por causa do desemprego e a delinquência está em alta. Há sociólogos que não ligam uma coisa com a outra, mas fazem mal. Quem não trabalha, não tem rendimentos, precisa de rendimentos para satisfazer as suas necessidades individuais e da sua família, ou seja, dos seus dependentes. Esta pressão mantém-se durante muito tempo. Ele tem de fazer alguma coisa. Tem de roubar. Embora não haja uma relação directa de causa e efeito, mas quando o desemprego é muito longo, não há como alguém não mexer naquilo que é do outro para satisfazer as suas necessidades. É a sobrevivência natural.

Desemprego e inflação em alta, perda de poder de compra, não tem como não impactar no crescimento económico…

Continuamos a depender da produção petrolífera. Não tanto como antigamente. Mas, dos três países maiores produtores de petróleo em África (Nigéria, Argélia e Angola), Angola depende mais das receitas do petróleo do que os outros todos. Vou-lhe dar um dado que é curioso, o PIB petrolífero de Angola representa 26% do PIB total. O da Argélia, só representa 10% e o da Nigéria só 5,7%. Significa que a maior parte dos PIBs destes países depende de outras actividades que não são o petróleo e o gás. Mas Angola ainda continua a depender do petróleo e gás em quase 30%.

Andamos há anos atrás da diversificação económica. É necessária alguma fórmula mágica?

Os outros sectores que contribuem para o PIB são pouco sustentáveis. Podemos encontrar aqueles que alavancam as receitas fiscais, como a construção e o comércio. Mas para que uma economia tenha sustentabilidade, em termos de taxas de crescimento, a aposta devia ser, por exemplo, em vez do comércio, devia ser numa actividade produtiva como a agricultura, a pecuária, as pescas e a indústria transformadora. São esses sectores cuja robustez alavanca o PIB de um país de forma sustentável. Quando tem o comércio, e o nosso comércio assenta muito nas importações, significa que você está a gastar grande parte das divisas a comprar coisas lá fora, quando as podia produzir no teu próprio País.

E o OGE tem sido outra questão em debate…

É um problema interno grave. É quase sempre deficitário. As receitas internas que o País gera não são suficientes para cobrir as despesas e isto faz com o Angola recorra constantemente a terceiros para se endividar. E o Governo costuma a recorrer ao estrangeiro e à banca nacional para contrair empréstimos.

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