Álvaro de Boavida Neto, Higino Carneiro e Julião Mateus Paulo ‘Dino Matross’, até prova em contrário, ganharam legitimidade para protestar contra qualquer um que os junte entre os cobardes da ‘velha guarda’ poderosa do MPLA. Em momentos diferentes e de formas distintas, os três decidiram opor-se publicamente ao chefe da vez.

Boavida Neto foi o primeiríssimo. Em pleno Dezembro de 2018, João Lourenço estava sentado há pouco mais de um ano no Palácio presidencial e não contabilizava sequer quatro meses na liderança do partido. Isto não impediu Boavida Neto de desalinhar-se da narrativa inventada por João Lourenço que colocava exclusivamente sobre os ombros de José Eduardo dos Santos a responsabilidade pela delapidação do erário que tinha engordado os bolsos de quase todos os dirigentes do MPLA. Custou-lhe o cargo de secretário-geral, vem fazendo uma travessia no deserto, mas mantém-se fiel à sua palavra.

Higino Carneiro não ficou atrás. Acossado por uma nuvem de processos indecifráveis na justiça, Carneiro anunciou-se pré-candidato à liderança do MPLA, apesar de João Lourenço fazer pairar propositadamente a dúvida sobre as suas próprias ambições no partido. Aparentemente sem qualquer acordo com o líder da vez, o facto de Higino Carneiro mostrar a cabeça, enquanto João Lourenço mantém todos os instrumentos de coacção, repressão e chantagem é um acto de coragem.

Dino Matross não foi menos loquaz. Desde que se colocou contra a narrativa do hipotético terceiro mandato, não arreda o pé. Mesmo perante urdidas campanhas de intimidação, vertidas sobretudo em textos apócrifos nas redes sociais e em alegadas queixinhas ao chefe, Matross insiste que João Lourenço já cumpriu o seu tempo e deve sair quando chegar a hora dos estatutos do partido e da Constituição.

Um muito mais cedo, outros mais tarde, Boavida Neto, Higino Carneiro e Dino Matross foram até onde nenhum outro nome relevante do MPLA ousou chegar. Seria a hora de os outros lhes seguirem o exemplo.

Como é óbvio, isto não é uma tentativa de branqueamento das responsabilidades de cada um dos três na construção do país que temos hoje. Todos os governantes e dirigentes importantes do MPLA, nos últimos 49 anos, têm necessárias responsabilidades agravadas na Angola que se fez até hoje. Justa- mente porque quase todos, por um lado, estavam demasiado ocupados com o pote de mel para se preocuparem com o país. E, por outro, por- que os que não concordavam com o curso nunca tiveram coragem de o dizer ao vivo e a cores, perante todos os angolanos. As raríssimas excepções são conhecidas e pagaram um pesado preço. Que o diga Marcolino Moco.

O que é chamado nos casos de Boavida Neto, Higino Carneiro e Dino Matross é tão somente a dignificação da atitude de figuras que, num momento crucial, decidiram dar o corpo às balas. Que decidiram desafiar a intimidação e a chantagem para contrariar a história da cobardia crónica que se afirmou como uma das principais fontes do atraso colectivo. Mais do que isso, porque, independentemente das suas ambições pessoais, defendem publicamente uma agenda de respeito das regras. De respeito da Constituição.

Se todos os mais velhos do MPLA seguissem abertamente os exemplos de Boavida Neto, de Higino Carneiro e de Dino Matross, apesar de toda a sua incapacidade de percepção da realidade, João Lourenço jamais sonharia insuflar a historieta do terceiro mandato. Muito menos imaginaria fazer-se de proprie- tário exclusivo do destino do seu próprio partido e, mais grave, do país. Por isso, é preciso repeti-lo: esta é a hora da verdade para os mais velhos do MPLA. É tempo de saírem das tocas para a defesa das regras. Nem que seja para fingirem que, acima de tudo, está o país. Valor Económico

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