O comunicado do Ministério do Interior, divulgado na segunda-feira, 13 de Outubro, procurou tranquilizar a opinião pública sobre o estado de saúde do recluso Rodrigues Luciano Catimba, vice-presidente da ANATA, garantindo que “o Serviço Penitenciário dispõe de infra-estruturas devidamente preparadas para atender às necessidades de saúde dos reclusos”.
Parece bonito no papel, não é? Só há um pequeno problema: é falso.
E não é uma falsidade teórica — é mentira concreta, que se cheira no esgoto, se vê na sujidade das celas e se sente na febre dos doentes abandonados.
Falo na primeira pessoa, porque estive preso no Estabelecimento Penitenciário de Viana (EPV) e no Hospital-Prisão São Paulo (HPSP) durante quase dois anos. Vi, vivi e sobrevivi a uma realidade que nenhum comunicado consegue maquilhar.
Eu próprio fui negado a ter assistência médica. Esperei semanas pela transferência para o HPSP, porque o Centro Médico da Comarca de Viana não tem condições mínimas para tratar ninguém. A demora não era casual: pretendia-se silenciar a minha voz — e, quem sabe, permitir que um dia se dissesse apenas: “morreu por complicações de saúde”.
Quando finalmente fui transferido, tiveram de me colocar numa caserna da Coordenação dos Reclusos, isolado, para que eu não visse o estado lastimável dos outros pacientes.
Deram-me alta à pressa, como quem expulsa uma testemunha incómoda. Mas eu vi.
E tenho tudo registado, apesar dos assaltos dirigidos às minhas coisas durante revistas feitas “por orientação superior”, sempre com o mesmo alvo: o jornalista Carlos Alberto.
Nos dois estabelecimentos que conheço bem, faltam médicos permanentes, medicamentos básicos e condições sanitárias elementares.
Não há sequer água canalizada nas celas e casernas — apenas tanques alimentados por camiões-cisterna pagos com verbas públicas nunca auditadas.
E chamam a isto “infra-estruturas devidamente preparadas”?
Preparadas para quê — para o sofrimento, para a morte ou para o negócio?
No Hospital-Prisão São Paulo, as doenças mais comuns — tuberculose, malária e infecções da pele — alastram por falta de higiene e de atendimento regular. Reclusos morrem à espera de uma simples injecção de penicilina.
Na Comarca de Viana, que alberga cerca de cinco mil reclusos, a morte é apenas um número em relatórios que ninguém lê.
Como se pode falar em “infra-estruturas devidamente preparadas” num país onde o maior estabelecimento prisional nem água canalizada tem?
Será ignorância ou gozo com a inteligência dos cidadãos?
E o redactor do comunicado — alguma vez pôs um pé num bloco prisional?
Dizer, como faz o Gabinete de Comunicação do MININT, que há “infra-estruturas devidamente preparadas”, é mentir deliberadamente à sociedade e ofender a memória dos que morreram sem assistência médica nem dignidade.
É possível — e até desejável — que o cidadão em causa esteja bem de saúde. Mas isso não apaga a falsidade institucional do comunicado.
Se o ministro Manuel Homem acredita no que a sua equipa escreveu, então que abra as portas das cadeias à imprensa e nos mostre as tais “infra-estruturas devidamente preparadas”.
Ou será que o Ministério tem medo da verdade?
Talvez seja por conhecer essa realidade de perto — e por a ter denunciado — que o ministro ainda não respondeu ao meu pedido de entrevista. É mais fácil esconder-se atrás de comunicados escritos em gabinetes com ar condicionado do que enfrentar a realidade das celas sem água e dos doentes sem socorro.
Por respeito ao processo, não revelo agora mais dados sobre as cadeias, porque ainda aguardo que o ministro do Interior aceite falar.
Mas uma coisa é certa: as cadeias angolanas estão doentes — e quem mente sobre a saúde dos reclusos adoece também a credibilidade do Estado.