A inauguração do Campus da Universidade Lueji A’Nkonde, no Dundo, pela mão do presidente da República, João Lourenço, representa, à primeira vista, um avanço significativo para o ensino superior na Lunda-Norte. Com capacidade para acolher 8718 estudantes e dispondo de infra-estruturas modernas, o projecto parece ser um marco de progresso.
No entanto, por detrás da pompa e circunstância, levanta-se uma questão fundamental: pode haver universidades sem que haja escolas primárias sólidas?
Mais ainda: faz sentido oferecer cursos de Direito e Economia numa região onde essas áreas não correspondem às necessidades locais?
Antes de se erguerem universidades, é imperativo garantir que as crianças tenham acesso a uma educação básica de qualidade.
A alfabetização, o domínio da matemática elementar, o pensamento crítico — tudo isso começa nas salas de aula do ensino primário. Sem essa base, o ensino superior torna-se uma torre de areia, sucumbe ao primeiro vento.
Nas Lundas, as comunidades enfrentam dificuldades em garantir educação básica para os seus filhos. Em média, no ensino primário, as crianças têm duas horas e meia de aulas diárias, em vez das cinco horas lectivas mínimas exigidas pelo Ministério da Educação. De facto, não havendo salas de aulas nem professores suficientes para acompanhar o crescimento populacional, as escolas tiveram de inventar localmente soluções para acomodar o maior número possível de crianças no sistema de ensino, instituindo três a quatro turnos diários nas escolas, que, obviamente, não permitem que as turmas usufruam de um número suficiente de horas de ensino. São inúmeras as turmas compostas por mais de 150 alunos. É o caso da Escola 8, do Bairro Sachindongo, no Mussungue, que no ano lectivo passado registou uma turma com 187 alunos. Na Escola 9 do Dundo, actualmente em reabilitação, a turma mais numerosa comportou um total de 238 crianças apinhadas numa pequena sala de aulas.
O Decreto Presidencial n.º 162/23 sobre o Regime Jurídico do Ensino Primário e Secundário do Subsistema de Ensino Geral estabelece, no seu artigo 10.º, que as turmas do ensino primário e secundário “são constituídas por até 36 alunos”. Em função da especificidade de cada região, esse número pode ser elevado ao máximo até 45 alunos por turma, segundo o decreto de João Lourenço. Temos, então, um exemplo gritante de uma turma que teve cinco vezes mais alunos do que a lotação máxima estipulada no decreto presidencial.
Há escolas sem carteiras, sem professores qualificados, sem materiais didácticos. Em algumas localidades, as crianças percorrem quilómetros a pé para chegarem a uma sala de aula improvisada.
Como se pode falar em formar juristas e economistas quando o alicerce da educação está por construir?
A escolha das faculdades de Direito e Economia para o novo campus universitário é, no mínimo, desconcertante. Não por serem áreas irrelevantes em si, mas porque não respondem às necessidades concretas da região.
A Lunda-Norte é uma província rica em recursos naturais, especialmente diamantes, e com vasto potencial agrícola.
O que esta região precisa são cursos de geologia, engenharia mineira, gestão de recursos naturais, agronomia, silvicultura, tecnologias de irrigação, e formação técnica para transformar a produção local. Oferecer Direito e Economia numa província onde há escassez de tribunais funcionais, onde os mercados são informais e onde a maioria da população vive da agricultura de subsistência é como oferecer aulas de navegação a quem nunca viu o mar.
É um gesto que parece mais preocupado com a aparência de desenvolvimento do que com o seu conteúdo.
A situação torna-se ainda mais paradoxal quando se observa a escassez de professores qualificados nestas áreas. Quem vai dar aulas: o escrivão do tribunal? O barbeiro? Pessoas respeitáveis e que contribuem para a comunidade, mas que não têm experiência de ensino.
Mesmo a capital do país, Luanda, com todos os seus recursos e instituições, ainda luta por formar e manter docentes de Direito e Economia com experiência prática e formação avançada. Sabemos o lugar miserável que as universidades luandinas ocupam nos rankings académicos africanos.
Se isso é um desafio em Luanda, como se espera que as Lundas, com menos atractividade e infra-estruturas, consigam manter um corpo docente competente e estável?
Segundo os dados divulgados, a Faculdade de Economia acolhe 687 estudantes com apenas 35 docentes, enquanto a de Direito recebe 1236 discentes com 40 docentes. Estes números, embora impressionantes, não garantem qualidade.
A previsão de crescimento até 2030 é optimista, mas ignora a dificuldade crónica de atrair e reter professores em zonas periféricas. Sem docentes experientes, o ensino corre o risco de se tornar medíocre, desconectado da realidade e incapaz de formar profissionais preparados para os desafios locais.
As Lundas são regiões com vocação natural para a exploração mineira e a agricultura. O desenvolvimento sustentável destas províncias passa por capacitar os jovens em áreas que lhes permitam transformar os recursos locais em riqueza duradoura. Cursos técnicos e científicos ligados à cadeia de valor dos diamantes — desde a prospecção até à lapidação — poderiam criar empregos, atrair investimento e fomentar inovação.
Da mesma forma, a formação em práticas agrícolas modernas, gestão cooperativa, conservação ambiental e tecnologias de transformação alimentar teria um impacto directo na vida das comunidades.
Estes cursos não só responderiam às necessidades locais, como também criariam uma nova geração de empreendedores rurais, capazes de dinamizar a economia da região.
A inauguração de uma universidade não deve ser apenas um acto simbólico ou político. Deve ser uma resposta estratégica às necessidades de um território.
A educação superior tem de ser pensada com propósito, com ligação ao tecido económico, social e cultural da região onde se insere. Não pode ser um mero lançamento ao calhas de edifícios vazios para o meio do território.
Caso contrário, corre-se o risco de formar jovens para o desemprego, ou para a emigração forçada em busca de oportunidades que não existem localmente.
Investir em escolas primárias, em formação técnica, em cursos alinhados com os recursos e as vocações da região-isso sim seria um verdadeiro marco no reforço da educação nas Lundas. O país precisa realmente, e com a máxima urgência, de políticas públicas de educação que sirvam de sustentáculo ao desenvolvimento humano. O conhecimento é uma ferramenta poderosa, mas só transforma quando está enraizado na realidade.