Vidros partidos, armários destruídos, salas vazias. É tudo o que resta do hotel que António Bumba construiu nas últimas duas décadas e que foi destruído nos tumultos em Luanda, deixando a si e aos seus funcionários apenas um monte de escombros.

No que sobrou do edifício, notam-se os sinais do cuidado e carinho com que geria o espaço, que incluía bares, albergaria, restaurante, salão de festas e uma pequena loja, no bairro Calemba 2 — uma das zonas mais afetadas pela violência que varreu vários pontos da capital angolana no primeiro dia da paralisação dos taxistas.

O aumento do preço dos combustíveis foi o catalisador da greve, mas rapidamente deu lugar à frustração e raiva acumuladas pelos luandenses que sofrem com as más condições socioeconómicas. E os protestos transformaram-se em vandalismo e pilhagens.

Desde segunda-feira, início da greve, pelo menos 22 pessoas perderam a vida nos distúrbios, e muitas outras, como António da Costa Bumba, enfrentam agora a incerteza do futuro. Entre lágrimas, contou à Lusa como viu um sonho de 20 anos desmoronar-se.

Nascido numa família pobre, enfrentou dificuldades desde jovem e, com esforço e sacrifício, construiu um empreendimento que “hoje é um escombro”.

“Custa-me explicar tudo o que tinha possuído, porque é o investimento de uma vida. Tenho filhos a estudar, tenho netos, com esse esforço empreguei 19 funcionários, alguns trabalhavam comigo há cerca de 12 anos”, vai relatando.

António lembra que o seu esforço se estende às colaboradoras – que “hoje choram comigo” -, mulheres que estavam presentes no momento do ataque da multidão descontrolada, na segunda-feira.

Felícia dos Santos, gerente do espaço desde 2014, descreve as horas de pânico vividas naquele dia:

“Na segunda-feira viemos trabalhar, havia um tumulto de gente, começaram a vandalizar algumas lojas, então despedi alguns hóspedes que foram para casa das suas famílias, porque era demais, era muita luta, muitas pedras”, relatou à Lusa.

“Os nossos seguranças lutaram, fizeram vários tiros, mas infelizmente as balas terminaram e já não tínhamos como nos salvar, começámos a pular desde o primeiro andar a cair no teto dos vizinhos, começámos a tirar alguns hóspedes para poder salvar a vida deles”, recorda.

Os populares — continua — chegaram armados com pedras, catanas, machados, serrotes, sabres, macetes.

“Entraram aqui, vandalizaram a casa, tiraram os bens, entraram nos quartos, levaram sanitas (…) encontrei a gaveta da minha sala aberta, entrei em choque, a solução mesmo foi nos salvar. Não podíamos fazer nada, ameaçaram-nos, fiquei a ver de longe com as lágrimas”, relata.

Ausente no momento do ataque, António foi alertado por telefone pelas funcionárias.

“Cheguei aqui e estou neste momento em lágrimas, fiquei sem chão, sem saber o que fazer da minha vida”, diz o proprietário, antes de desabar em choro.

Recordou as dificuldades enfrentadas até conseguir erguer o negócio, incluindo a falta de energia — que o obrigava a operar com geradores — até que, no ano passado, conseguiu finalmente adquirir um posto de transformação.

Com a ajuda de empréstimos informais (não obteve crédito bancário), foi investindo em melhorias: pintura, renovação das instalações, ar condicionados novos e 12 quartos equipados com mobiliário, frigobar, televisão e ar condicionado.

“Finalmente consegui pagar estas dívidas e até alguns funcionários que me encorajaram a continuar, e graças a Deus, este ano estava a começar com a rentabilidade do projeto. Isto foi construído em partes, gastei nesta casa mais de um milhão de dólares, toda a minha vida foi dedicada a esta casa”, comove-se.

“Neste momento não encontro o chão, eu sou filho de pais camponeses, sou filho sofredor, toda a minha vida e de pessoas amigas foi sacrificada, nunca usufruí de um bem do Estado, agora não sei o que fazer, nesta hora, minha casa, minha família, meus funcionários estão em óbito”, desespera-se.

António apresentou queixa à polícia e espera que o Governo angolano tenha atenção às vítimas da destruição, mas diz não ter esperança de recuperar o que perdeu:

“Eu não tenho recurso, ainda que fosse um crédito eu estaria pronto, mas sem isso não tenho onde começar, roubaram tudo. Apelo às pessoas de boa fé, ao Governo de Angola: são pais que choram, são filhos que choram, filhos que ficaram sem teto, pessoas que ficaram desempregadas, que eu tentei tanto ajudar e neste momento não tenho nada. Não sei o que vou fazer da minha vida, está completamente destruída. Olha tudo o que perdi”, mostra, chorando desconsoladamente, acompanhado pelas funcionárias da sua “equipa sofredora”.

O dia de amanhã “é uma desgraça”, conclui Felícia dos Santos. “Estamos desempregados, sem nada, precisamos de ajuda”, desabafa.

Na vizinhança, outras lojas e armazéns mostram marcas da devastação. Nada restou. No asfalto, o lixo queimado e os destroços criam um cenário que lembra uma zona de guerra.

Hoje, a situação está mais controlada, mas permanecem na rua as unidades de intervenção rápida da polícia, para prevenir novos distúrbios. Ainda se ouvem disparos, enquanto os agentes entram nos bairros e recolhem suspeitos de participação no vandalismo — que se juntam aos mais de 1.200 detidos até ao momento.

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