Numa entrevista explosiva a O DECRETO, o activista Dito Dali acusa o executivo angolano de atacar o povo com medidas económicas brutais e afirma que a juventude angolana está “adestrada pelo sistema”. Dali explica a retirada dos subsídios aos combustíveis como um plano imposto pelo FMI e Banco Mundial, sem consideração pela realidade do povo. Aponta o entretenimento como arma de distração da juventude e defende que só a mobilização popular e a unidade da oposição podem pôr fim ao actual regime.
“Estamos à beira do colapso. Mas haverá surpresas. O silêncio foi estratégico.” – diz Benedito Jeremias mais conhecido por Dito Dali.
Acompanha a entrevista na íntegra:
O DECRETO – O Executivo de João Lourenço voltou a aumentar o preço dos combustíveis. Como vês essa decisão de João Lourenço?
DITO DALI – Vejo como um ataque directo à sobrevivência do povo. Já vivemos mal e, agora, vamos viver pior. A retirada das subvenções aos combustíveis, sem políticas alternativas eficazes e sem reformas estruturais na economia, tende a prejudicar gravemente a população, que já sofre com a má governação. Esta medida afectará também o sector privado em Angola.
Em vez de resolver os problemas, aprofunda as desigualdades sociais, aumenta a instabilidade económica das famílias e agrava a crise de confiança nas instituições públicas.
O DECRETO – E por que razão o povo o povo angolano não reage? mantem-se serenos e calmos?
DITO DALI – Porque têm medo, têm fome e perderam a esperança. Mas é preciso não perder a esperança.
O DECRETO – Acha que a juventude está adormecida?
DITO DALI – Não está apenas adormecida, está adestrada. Vive de memes, distrações e festas. O regime conseguiu controlar a mente dos jovens através de entretenimentos. As consequências dessa apatia e cobardia serão profundas, os jovens não querem discutir ideias, promover debates sobres os assuntos públicos, ficaram presos a ver entretenimentos promovidos por cantores do sistema que trabalham para o Gabinete de Acção Psicológica da Presidência da República, cujo objectivo principal é desviá-los dos assuntos mais importantes do país.
O DECRETO – Mas muitos jovens dizem que é a oposição é que deve reagir…
DITO DALI – Isso é uma fuga à responsabilidade. É o povo que deve lutar e pressionar os partidos a agir — não o contrário. É o que assistimos em Moçambique. Em Angola, clama-se por lideranças. Acredito que somos potenciais lideranças cívicas, para juntos conduzirmos a revolução no nosso país.
O DECRETO – A retirada das subvenções foi uma decisão exclusivamente do Executivo de João Lourenço?
DITO DALI – Não. Foi uma imposição do FMI e do Banco Mundial. O Governo apenas obedeceu — não pensou no povo.
Com essa estratégia, assistiremos a um aumento generalizado do custo de vida. O combustível é essencial para quase tudo: transportes públicos e privados, produção e distribuição de bens agrícolas e alimentares, fornecimento de electricidade, e o funcionamento da indústria.
O aumento do seu preço terá impacto directo no custo dos transportes e, por consequência, em todos os bens e serviços. Isto agravará ainda mais a inflacção e reduzirá drasticamente o poder de compra dos cidadãos.
As famílias mais pobres, sobretudo as que dependem do transporte público ou que vivem nos musseques, serão as mais afectadas. Muitos produtos e serviços tornar-se-ão inacessíveis. Pequenos negócios como moto-táxis, agricultores e comerciantes ambulantes podem encerrar ou reduzir drasticamente a sua actividade.
O DECRETO – Quais serão os efeitos práticos dessa medida?
DITO DALI – Despedimentos, falência de pequenas empresas, aumento brutal do custo de vida e mais miséria. As empresas verão os seus custos de produção aumentar, o que reduzirá as margens de lucro. Sem apoio do Estado, muitas ficarão inviáveis. Outras simplesmente fecharão por não conseguirem suportar os encargos.
O DECRETO – E os salários?
DITO DALI – Continuam baixos, sem qualquer reajuste. Os combustíveis sobem, mas os salários mantêm-se. E não há qualquer programa sério de compensação social — nem transferências directas às famílias vulneráveis, nem subsídios aos transportes urbanos, nem apoio às micro e pequenas empresas, nem linhas de crédito bancário, nem incentivos à produção local para reduzir a dependência de importações caríssimas.
Estamos à beira do colapso. Vamos viver tempos extremamente difíceis por culpa de um governo corrupto, incompetente e insensível. Como se não bastasse, segundo uma nota da INACOM que circula nas redes sociais, o Governo ainda pretende aumentar os preços dos serviços de televisão e telecomunicações.
Parece que o objectivo é mesmo empurrar o povo angolano para a morte.
O DECRETO – Acha que ainda há saída?
DITO DALI – Há, sim. Mas só com o povo na rua, com consciência colectiva e cívica, com coragem e determinação.
Essas medidas não trarão benefícios ao cidadão comum. Num cenário ideal, com um governo responsável, a retirada dos subsídios poderia aliviar o peso fiscal do Estado e permitir o investimento noutras áreas como a saúde, a educação, as infra-estruturas e programas sociais. Mas com este governo, isso é apenas uma ilusão.
O DECRETO – E os partidos da oposição?
DITO DALI – Têm de se unir, se quiserem realmente derrotar o MPLA e governar Angola. Têm de se preparar para lutar contra a nova proposta de Lei Eleitoral que o regime pretende impor.
A oposição credível precisa de estar ao lado do povo. Só juntos, lado a lado, conseguiremos derrubar o regime.
O DECRETO – O povo tem força?
DITO DALI – Tem, sim. Mas está dividido, amedrontado e sem liderança. A luta de egos tem atrasado a concretização da revolução em Angola.
E, em parte, essa divisão foi provocada pelo próprio regime, que soube manipular e dividir os que se opõem ao autoritarismo.
O DECRETO – Então, qual é o caminho?
DITO DALI – Mobilizar e unir a juventude. Organizar o descontentamento. Transformar a fome, a miséria, a pobreza e a falta de liberdades em armas de mudança.
A revolução só triunfará quando a juventude compreender o poder que tem para mudar o sistema. Esse poder precisa de ser disciplinado, bem liderado e, acima de tudo, precisa de deixar de combater as lideranças que vão emergindo na sociedade civil.
A liderança não se impõe — nasce com o indivíduo e constrói-se ao longo do percurso. Mas, em Angola, todos querem liderar e ninguém quer ser liderado. Isso é um erro grave.
Quero aproveitar para dizer que estamos a trabalhar de forma estruturada e organizada. Haverá surpresas em Angola.
Engana-se o MPLA se pensa que conseguiu amordaçar a sociedade civil e silenciar vozes críticas.
O nosso silêncio e distanciamento foram estratégicos — serviram para amadurecer ideias, corrigir erros tácticos e delinear novas estratégias de luta.
Não se pode esperar resultados diferentes com as mesmas abordagens. Isso não funciona.
Moçambique inspirou-nos. Estudámos os erros cometidos lá e vamos usá-los para acertar aqui. Muito em breve, isso resultará no afastamento do MPLA do poder.
Coque Mukuta