O Governo angolano quer criminalizar a disseminação de informações falsas na Internet com penas que podem ir até dez anos de prisão, uma medida que para o jornalista e activista Rafael Marques é mais uma ofensiva contra a liberdade de expressão.
A proposta de lei, apresentada como forma de combater a desinformação em Angola, tem gerado críticas pela sua redação vaga e pelo potencial de ser usada como ferramenta de repressão política.
Em entrevista à DW África, o jornalista e activista Rafael Marques, fundador do portal Maka Angola, afirmou que esta lei representa uma “declaração de guerra” contra os usuários das redes sociais e uma nova ofensiva contra a liberdade de expressão e de imprensa em Angola.
DW África: Que tipo de conduta está a ser visada com esta lei?
Rafael Marques (RM): Basicamente, com esta proposta de lei, o governo angolano emite uma declaração de guerra contra os usuários das redes sociais, onde enfrenta as maiores críticas ao seu regime, é basicamente isso. E procura com isto criar um ambiente de medo que limite o uso das redes sociais pelos cidadãos para desabafar as suas opiniões políticas e fazer-lhe um reencaminhamento de mensagens. E nota-se que há uma preocupação extrema em punirem os mensageiros pelo reencaminhamento e disseminação de mensagens.
Portanto, se a mamã Nhanga reencaminhar uma mensagem que fale mal do Presidente, passará a constituir crime. E a mamã, que eventualmente até não sabe ler, poderá ir presa simplesmente porque reencaminhou uma mensagem para a sua família que contém algum conteúdo detestado pelo governo, porque basta que alguém com poderes institucionais diga que é informação para ser crime. É tudo muito vago, muito absurdo.
DW África: Nesse caso, quem define o que é informação falsa? Existe algum risco real de arbitrariedade nesse caso?
RM: Mesmo a definição de falsa informação… O melhor exemplo é o de Venâncio Mondlane. É moçambicano, está a liderar protestos no seu país, em Moçambique, basta que estes protestos tenham impacto em Angola para ser considerado um crime em Angola. Portanto, Mondlane, à luz dessa lei, pode ser julgado e condenado em Angola porque as suas atividades em Moçambique têm impacto negativo na segurança nacional em Angola. Este é o ridículo desta proposta de lei.
DW África: No caso dos jornalistas e órgãos de comunicação social, e Rafael Marques é um jornalista muito ativo nesse quesito, acha que passam agora a trabalhar sob a ameaça constante de prisão com essa pena de até 10 anos?
RM: Este é um exemplo de um regime que está em profundo declínio e já não sabe o que fazer para se manter no poder, porque não se mantém no poder pela boa governação, quer dizer, já nem sequer têm os mecanismos de controlo da repressão afinados por conta da corrupção e da própria má governação, que afeta todos os setores. E então, recorre a esta ameaça generalizada de impor o medo, que não vai funcionar na sociedade angolana, primeiro porque não há como. O governo também a ameaça banir a Google, o WhatsApp, o Facebook e todas essas redes sociais através das quais os angolanos se manifestam.
Para os jornalistas, a ameaça já consta de outras leis. Aqui a questão fundamental é que é preciso combater a desinformação, ninguém está contra isso, mas um dos mecanismos efetivos para se combater a desinformação em Angola é garantindo que o público tenha acesso à informação verdadeira e isso começa pelos órgãos de informação social do Estado, que tem a absoluta maioria dos jornalistas neste país, tem mais de 6 mil trabalhadores. Temos mais de 3 mil profissionais de imprensa a trabalharem para o governo. E o que é que fazem? Propaganda a favor do governo do Presidente Lourenço e do MPLA, o partido no poder há 50 anos.