Quando estamos a meio do segundo mandato de João Lourenço, ainda não estão claramente desenhadas as nuances do legado que o actual Presidente deixará pelos seus dois mandatos de poder.

ISMAEL MATEUS/JORNALISTA

João Lourenço enfrenta o mesmo desafio que se havia colocado a Isaías Samakuva: suceder na liderança a um longo exercício de lideranças carismáticas e históricas com muita concentração de poder e influência popular, mas também com os vícios, os erros, excessos e outras distorções que se criam em situações de longa duração.

A analogia com o que se passou na UNITA é intencional. Um Presidente assumidamente de transição define como sua missão principal a criação de condições para um futuro de governança democrática do partido e promover o aparecimento de novas lideranças do futuro. Embora a direcção actual não o reconheça, a UNITA de hoje só é possível graças a um período de transição que preservou os valores essenciais do partido e o relançou para a vida política civil.

Com o MPLA passa-se o mesmo. O futuro depende da forma como o seu presente será preparado agora nesta fase de transição, onde é necessário consentir sacrifícios, fazer o que deve ser feito para alterar a matriz da economia angolana e o modo de estar dos governantes.

Mais do que se envolver ele próprio na sua sucessão, o Presidente João Lourenço, como líder da transição, deveria criar condições para a democratização que não foi feita com JES, preparando o MPLA para novas batalhas eleitorais e para um estilo diferente de governação. Essa, de resto, era a orientação ideológica do seu primeiro mandato, como se confirma com o slogan então adoptado: “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”.

Em diferentes pronunciamentos públicos, incluindo no célebre discurso da tomada de posse de 2017, João Lourenço assumiu-se como um líder da transição com o propósito de combater os comportamentos mais reprováveis do regime, entre eles a corrupção, impunidade, compadrio, nepotismo e vários interesses de grupo que cercaram o poder político.

Hoje, quando entramos na curva para a recta final do segundo mandato, a percepção geral da sociedade é que João Lourenço não conseguiu, de facto, alterar significativamente o rumo dos principais comportamentos reprováveis da era de JES, como o esbanjamento e gastos excessivos do Executivo, corrupção generalizada, a impunidade dos poderosos, insuficiente diálogo com a sociedade civil e proteccionismo de certos grupos económicos.

Embora todos os angolanos estejam a ser duramente afectados pela realidade económica do país, a génese da desilusão está directamente relacionada com a percepção de que não foi feito o suficiente para um corte efectivo com práticas do passado e que, assim sendo, se mudaram certas pessoas, mas os comportamentos, vícios e erros continuam praticamente os mesmos. De resto, usa-se o próprio discurso de João Lourenço na tomada de posse de 2017 como o ideário comum de sociedade que todos aspiram e ele, ao prometer implementar, criou uma grande onda de auto-estima e esperança no futuro.

É mais do que óbvio que o exercício do poder provoca mudanças significativas na forma como os líderes percebem os seus próprios projectos, desejos e o modo como passam interagir com quem está à sua volta, sobretudo nas nossas circunstâncias em que à volta dos líderes se erguem muralhas para restringir o acesso. Certamente, o cidadão João Lourenço daquele discurso de 2017 não é o mesmo de hoje. Teve de adaptar-se às condições políticas e sociais da sua governação, como problemas e crises políticas que não estavam na sua agenda, dificuldades económicas, as crises internacionais, as adversidades internas ou outros desafios imprevistos próprios da governação.

Agora que faltam apenas estes dois anos e meio até à próxima campanha eleitoral, João Lourenço precisa de encontrar a sua própria capacidade de gerir a mudança e alcançar os seus objectivos políticos dentro daquela que deve ser a sua missão principal, a de servir como um líder da transição, um reformador capaz de satisfazer as expectativas dos cidadãos que o elegeram, mas também de devolver a auto-estima e a esperança numa sociedade de oportunidades para todos. Apesar das restrições económicas, devolver ao angolano a confiança no país e na crença de que cada um de nós, independentemente da cor da pele e da cor política, tem um lugar e um papel a desempenhar no edifício geral do desenvolvimento deste país de todos.

Depois das mudanças económicas, a reforma mais esperada é ao nível dos comportamentos e mudança de hábitos e costumes enraizados, como, por exemplo, a adopção de um estilo dialogante e conciliador na definição de melhores políticas públicas e, tal como foi prometido em 2017, a construção de “alianças e trabalhar em conjunto, para podermos ultrapassar eventuais contradições e engrandecer o nosso país”.

Um dos mais detestáveis tiques do passado é o “sabe-tudismo” e a arrogância dos governantes, que na produção das suas políticas públicas ainda não tomam na devida consideração as opiniões, objecções e críticas dos sindicatos, ordens profissionais, Organizações Não-Governamentais e grupos de pressão.

Com a economia a dar ligeiras mostras de recuperação, é crucial que João Lourenço regresse com toda a força ao seu projecto reformador de 2017, criando as bases para um MPLA de futuro moderno e democrático e assumindo uma luta contra o crime organizado, a impunidade dos negócios ilícitos, que continuam a afectar duramente a vida dos angolanos, como o contrabando de combustível, a proliferação da moeda estrangeira no mercado informal; a invasão de imigrantes e corrupção crónica a vários níveis da sociedade. JA

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