Os constantes atropelos dos direitos humanos à luz do dia ocorrem em várias empresas detidas por estrangeiros. A dimensão do problema é alarmante já que os angolanos estão sujeitos a uma escravatura moderna na sua própria pátria.

O fenómeno da exploração de angolanos por estrangeiros está aos olhos de todos. O grito de socorro das vítimas e dos que têm olhos de ver, deveriam preocupar qualquer homem de bom senso. Empresas construtoras, na sua maioria chinesas, estabelecimentos comerciais de grande e pequena dimensão, só para citar estes, pertencentes a expatriados, fazem e desfazem, até o impensável, aos cidadãos nacionais que devido à carência de emprego entregam-se a todos os riscos, até ao impensável. Melhor do que as informações e denúncias de várias sensibilidades, a reportagem deste jornal foi ao terreno e conversou com vários trabalhadores que de forma unânime convergiram no pedido de não serem citados por temerem represálias.

CIDADE DA CHINA

A primeira paragem da nossa reportagem foi a Cidade da China na via expressa. E porque a sorte pertence aos audazes, ali mesmo o repórter deu-se com dois jovens, um dos quais com uma tigela de plástico com arroz com feijão, e numa marcha lenta foi almoçando.

Ambos trabalhadores da obra, um prédio em construção no fundo da cidade da China. Pedro, saído da Huíla e levado pelo seu tio para trabalhar nos chineses, sabia um pouco do sofrimento, mas longe de adivinhar que as coisas eram tão horríveis. “Não há nenhum chinês aqui na obra que não maltrate o angolano”, lamenta o jovem que mesmo conversando não parou de ‘picotar’ o seu arroz com feijão.

Os cerca de 300 trabalhadores da obra em causa dormem em cima do contraplacado e estão proibidos de sair. Ganham 30 mil kwanzas mensais à mão.

SEM SEGURO

Em caso de acidente de trabalho, o funcionário é dispensado para casa e assume o tratamento por sua conta e risco. As falhas, a quebra de um material, por exemplo, o trabalhador é descontado. Os efectivos da Policia Nacional que vigiam as imediações da cidade da China sabem da situação mas pouco ou nada fazem porque são abafados com dinheiro como conta Pedro e companheiro.

Outro jovem na mesma condição é Pacheco Nicolau proveniente do Bié. Diz que a situação é catastrófica, mas entre morrer de fome e morrer na obra, escolhe a última hipótese. “Os angolanos na obra são tratados que nem um escravo e não podemos dizer nada, pois corremos o risco de sermos corridos e sem nenhuma defesa”, lamenta Pedro.

PROTECTOR FÍSICO

Vários homens ligados a empresas de segurança, protegem as obras sob responsabilidade dos chineses na Cidade da China. Na entrada para o local das obras estão dois elementos da proteção física, sentados, um com uma Kalashikov, ambos franzinos, como se de gêmeos se tratasse. “A vida aqui é difícil, até quarto de banho não temos. Para qualquer tipo de necessidade, você tem de desenrascar”, desabafa o homem da arma para quem “a solução é mesmo aturar os ‘bosses’, sob risco de irmos para rua”.

Estes seguranças, recebem um subsídio de alimentação de quatro mil kwanzas e o um salário de 45 mil kwanzas mensais. Quanto aos chineses, respondeu com sorrisos. Depois indicou que “eles fazem o seu trabalho e não se metem connosco”.

Sobre a questão se mandam lavar carro ou não, o segurança diz que quando pedem é sempre bem-vindo porque pagam algum. Sobre a presença de muitas senhoras naquele perímetro, adiantou que elas procuram tudo, desde emprego ao envolvimento com os chineses, pois os trabalhadores angolanos não desperdiçam o pouco que ganham.

“Eles viraram donos do país” Ermelinda Pacheco, trabalhadora de uma loja de venda de pneus e baterias, começa a lamentar com o salário que recebe: 30 mil kwanzas e sem direito a nenhuma refeição.

“Quando não trazemos nada de casa ficamos todo o dia, das 7h às 18h com fome”, lamenta. A este sofrimento junta- -se a falta de respeito e com ameaças de despedimento. A realidade no terreno, acrescenta, “parece que nós somos os estrangeiros e eles os donos do país”.

Sobre a segurança social, Ermelinda diz que isto pode dar em despedimento e a prova é de um colega que em Dezembro tentou falar do 13º terceiro e foi logo expulso. Swely Fragoso, trabalhadora numa loja de um mauritiniano, aufere 28 mil kwanzas e confessa que vive momentos dificéis, primeiro pelo horário de trabalho.

“Entro às 7h para sair às 20h e sem direito a nenhuma refeição. A salvação é quando encontramos um cliente que nos oferece um trocado, de contrário passamos todo o dia à fome. Para Swely, a reclamação não existe: “Ou aceitas ou vai para a rua”. “Sou cristã confessa, mas acho o Governo deve fazer alguma coisa para travar essa escravatura”.

Há três meses a trabalhar neste estabelecimento comercial, conta, já perdeu sete quilos devido a fome. Acrescenta que de casa não é possível trazer algo porque o dinheiro que recebe não chega.

Salários miseráveis As empresas chinesas Guangxi Hidroelectric Construction Bureau SA, (GHCB), a China Road And Corpuration (CRBC) pagam salários muito baixos para algumas categorias de trabalhadores e oferecem menos “formalidade” no emprego e empregam operários mais pobres.

De acordo com o responsável do contencioso laboral do Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Indústria e Afins (SICTIA), Paixão Kafukeno, muitos trabalhadores que estão nas empresas chinesas são migrantes do centro-sul do país. São mal pagos e nem descontam para a segurança social.

Quem ganha com isso não os chineses que conseguem poupar e mandar dinheiro para a terra de origem. Nestas empresas não há comissão sindical que possa defender os interesses dos angolanos.

“Os chineses aplicam a lei do seu país em Angola. Isso é do conhecimento da Inspecção-Geral do Trabalho que nada faz”.

“Quando fazem as visitas inspectivas deixam sempre de lado a presença dos trabalhadores e vão sozinhos e quando terminam saem sempre com os bolsos cheios’’, lamenta Paixão Kafukeno.

O incumprimento da Lei em Angola por parte dos chineses tem sido frequentemente denunciado pelos sindicatos. “Essas empresas têm sido acusadas de prática de trabalho escravo, ou seja, eles têm aplicado a escravatura moderna e as autoridades angolanas encobrem. A Inspecção-Geral do Trabalho (IGT) é cumplice destas práticas’’, disse Kafukeno.

“Observamos que nessas empresas o salário mensal é de 30 mil kwanzas com subsídio de alimentação no valor de 200 kwanzas por semana. Tudo é pago à mão e não existe o pagamento na segurança social”, referiu, apontando que as empresas de origem chinesas que não respeitam as leis angolanas e que são do domínio da IGT, e nada lhes acontece são a GHCB, a CRBC, a INDEMAX, a CTC, a SINOHIDRO, a CHINA Angola, só para citar estas.

Segundo um estudo efectuado em 2021 pelos investigadores da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto e da Universidade de Londres, o processo de reconstrução vivido em Angola, trouxe ao país um número significativo de trabalhadores expatriados. O referido estudo, denominado ‘Condições de emprego em Angola’, revela que a crise tem invertido a tendência e tem contribuído para aumentar o número de nacionais nestas empresas.

Embora o motivo principal destes défices no mercado de trabalho seja a escassa oferta de emprego nos sectores mais formais e de maior remuneração, existe também um défice importante de qualificação da mão-de-obra, devido às baixas taxas de escolarização atendendo ao Produto Interno Bruto per capita do país.

Inspecção furta-se do contraditório

 Diante das inquietações, este jornal procurou ouvir o inspector que deixou escapar apenas “não posso falar aos órgãos de comunicação social.

Devem contactar o nosso gabinete de imprensa e comunicação social do Ministério da Administração Pública Trabalho e Segurança Social’’.

À insistência porque razão não podia falar, na condição de responsável máximo da IGT, numa linguagem deselegante, Vassili Agostinho chamou o jornalista de mal-educado e desligou o telefone.

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