Uma semana depois, continuam nebulosas as razões do desprezo indisfarçável na forma como a senhora dona Ana Dias Lourenço olhou para a acompanhante do empresário Silvestre Tulumba na cerimónia de cumprimento de fim de ano ao Presidente da República.

Na quinta-feira da semana passada,  foram ao palácio da cidade alta, para  a tradicional cerimónia, membros dos distintos órgãos do poder, dirigentes do MPLA e convidados pessoais do anfitrião, de entre eles o empresário Silvestre Tulumba.

Depois de lhe aceitar o cumprimento, a senhora dona Ana Dias Lourenço “dirigiu” à esposa de Silvestre Tulumba um olhar carregado de desprezo.

Ana Dias Lourenço é reincidente nessa prática.

Em Setembro de 2017, por ocasião do banquete oficial com que José Eduardo dos Santos encerrava o seu longevo consulado na Presidência da República, Ana Dias Lourenço, que se estreava nas vestes de primeira dama, “fuzilou” Maria José (Mizé), esposa de Bornito de Sousa, com um olhar também ele carregado de desprezo.

Na quinta-feira passada, não se percebeu se o escárnio com que Ana Dias Lourenço olhou para a companheira de Silvestre se deveu ao traje, nada repreensível, ou aos contornos do corpo da senhora, muito bem sublinhados pelo vestido, ou se lhe inveja alguma outra qualidade.

Em qualquer das hipóteses, a primeira dama não só deveria guardar para si os maus fígados do momento, como deveria ser mais discreta, mesmo porque os repórteres de imagem se acotovelavam diante dos seus olhos.

O escárnio da senhora Ana Dias Lourenço é ainda mais incompreensível porque é sabido e consabido que fortes laços unem o casal presidencial ao empresário Silvestre Tulumba.

Em 2017, o então cabeça de lista do MPLA às eleições, João Manuel Gonçalves Lourenço, viajou a todas as capitais de províncias do país a bordo de uma aeronave de Silvestre Tulumba.

Naquele mesmo ano de 2017, e sob a presidência do actual ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu, foi atribuído ao Banco de Poupança e Crédito  o vazamento de uma lista de devedores em que Silvestre Tulumba era associado a uma dívida de mais de meio bilião de dólares.

A administração do banco ameaçou responsabilizar judicialmente os pretensos “gargantas fundas”, mas não desmentiu o conteúdo do documento.

Produto do Eduardismo, à pala do qual construiu um império que inclui o  BCS, Silvestre Tulumba sobreviveu, intacto, à caça às bruxas, que é no que se transformou a pretensa cruzada contra a corrupção em Angola de que o Presidente João Lourenço se ufana.

Silvestre Tulumba não só passou, incólume, por entre os pingos da chuva, como se tornou num dos braços do dito “novo” paradigma. Ao seu grupo empresarial, Silvestre Tulumba Investimentos (STI)  tem sido  adjudicadas, por ajuste directo, várias empreitadas públicas.

Segundo a newsletter Africa Intelligence, em 2021 o grupo STI assinou com o Tribunal Supremo e a Assembleia Nacional contratos que fazem dele fornecedor exclusivo de viaturas para esses dois órgãos de soberania.

Nas graças do lourencismo, Silvestre Tulumba propõe-se a vôos mais altos.

Tido como testa-de-ferro de poderosos homens do “inner circle” presidencial, Silvestre Tulumba gaba-se, nos círculos privados que frequenta, do propósito de adquirir 25% do capital da UNITEL. Essa é a quota que o Estado angolano confiscou à empresária Isabel dos Santos e que será posta à venda brevemente.

O ano passado, Silvestre Tulumba comprou três unidades do luxuoso Mercedes-Maybach Classe S, produzido por encomenda. Ele ficou com carro, ofereceu outro à esposa e o terceiro foi parar ao parque pessoal do Presidente João Lourenço. O preço médio desse modelo da Mercedes é de meio milhão de dólares.

Por razões óbvias, o carro oferecido ao Presidente da República deve ter custado muito mais por causa dos extras requeridos num carro que serve o cidadão no exercício da mais elevada função pública.

A “generosidade” do empresário Silvestre Tulumba estende-se ao “Kremlin”, a sede do MPLA. É ao empresário huilano que alguns próceres do Partido recorrem para lhes suportar  bilhetes de passagem e dinheiro de bolso para férias.

É essa ligação “sanguínea” de Silvestre Tulumba ao Presidente e ao MPLA que torna de todo incompreensível o escárnio com que a primeira dama olhou a esposa do empresário.

Nos cumprimentos de fim de ano estiveram indivíduos, nomeadamente algumas mulheres, inadequadamente vestidas. Não foi o caso da companheira do empresário.

Os vídeos e fotografias do evento, disponíveis nas contas do Facebook da Presidência da República e do CIPRA, mostram senhoras com as costas desnudas, dançando com homens que não são seus parceiros. “Imprevidências” como essas deveriam, sim, merecer a reprovação da primeira dama.

Aliás, seria também de esperar da primeira dama gestos que desencorajem a transformação do palácio presidencial num salão de farra, onde são permitidos danças de família, quizombas, “kwata ku mbunda”, kabetulas e outros estilos mais adequados ao Centro Recreativo Kilamba. Nos vídeos e áudios disponíveis vê-se um ministro no meio de uma roda, quase ajoelhado e muito provavelmente a assobiar, embora o som não seja audível. Esse ministro perdeu claramente a noção do lugar em que estava.

Ainda não chegamos lá, mas se não for imediatamente travada a perigosa tendência de confundir o palácio presidencial com um salão de farra, mais cedo ou mais tarde ajustar-se-á aos seus circunstanciais ocupantes o provérbio turco segundo o qual “quando o boi chega ao palácio, ele não se torna rei, mas o palácio se torna um estábulo”.

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