No dia 1 de Março, o Governo Provincial do Kubango (GPK) afastou a equipa do Gabinete de Contratação Pública, por suspeitar de que esta tinha divulgado informações sobre corrupção ao Maka Angola, à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE).
Quem denuncia este encerramento são três funcionários (pais de família) — Domingos Kangombe, Jacinto Namene e Tomás Canjuluca — que, a 7 de Março, apresentaram uma participação criminal à PGR. Acusam o secretário-geral do GPK, Adelino Mangonga Manuel (na foto), de os ter difamado publicamente, ao alegar que seriam eles os responsáveis pela suposta fuga de documentos.
Segundo estes funcionários, foi numa reunião realizada a 5 de Março, por volta das 11h00, em sala da Secretaria-Geral do GPK que o dito Adelino Mangonga Manuel os terá acusado infundadamente. Temem, aliás, que o secretário-geral – que entretanto tem feito “trabalhos nocturnos” no referido gabinete, esteja a fabricar informações falsas para os incriminar e para justificar perseguições internas.
Ainda de acordo com os denunciantes, o Gabinete de Contratação Pública não tem sequer acesso à informação necessária para fazer as denúncias recentemente reportadas pelo Maka Angola: “[o gabinete] não tem senha de acesso à gestão financeira”, nem acesso a qualquer informação respeitante à programação e execução financeiras.
Nada faz sentido. Pior: tudo aponta para uma tentativa grosseira de intimidar funcionários públicos e impor uma cultura institucional de medo, desconfiança e subserviência perante os abusos e os actos de pilhagem do erário público. É um mecanismo de repressão que impõe o silêncio aos funcionários: para sobreviveram na função pública local, têm de se calar, mesmo que assistam ao desbaratar dos dinheiros do Estado.
A simples acusação feita por Adelino Mangonga Manuel é, para dizer o mínimo, absurda: fornecer informações relevantes sobre os actos de governação local à PGR e ao SINSE, que são órgãos do Estado com poderes legais de investigação, não é crime — é um dever cívico. Se estes dois órgãos funcionarem de forma independente e de acordo com a lei, quaisquer informações pertinentes que recebam devem ser acolhidas e avaliadas, para que depois se iniciem as investigações eventualmente necessárias. Infelizmente para todos nós, cidadãos, ao que tudo indica, não é isso que está a acontecer.
O Maka Angola, por sua vez, não é um órgão estatal, nem tem qualquer vínculo com as instituições em causa. Trata-se de um órgão de jornalismo independente que, desde 2019, tem vindo a publicar investigações detalhadas e fundamentadas sobre alegadas práticas de corrupção no Kuando-Kubango — agora províncias do Kuando e do Kubango. As fontes em que tem baseado os seus artigos são documentais (ver aqui, aqui e aqui). Nenhum dos nomes mencionados pelo secretário-geral do GPK nas suas acusações é ou será fonte do Maka Angola. Acusar esses funcionários é disparar no escuro — e falhar redondamente.
A cegueira conveniente do governo central
Tudo isto decorre sob o olhar cúmplice — ou negligente — do governo central de João Lourenço. As autoridades locais mostram mais zelo em perseguir alegados denunciantes do que em apurar os factos. Assim de demonstra que o combate contra a corrupção se metamorfoseou em combate pela corrupção.
Os casos sérios de denúncia, sustentados por provas, são simplesmente ignorados. E a queixa que os três funcionários enviaram à PGR terá, muito provavelmente, sido arquivada ou deitada ao lixo, tal como tantas outras denúncias apresentadas ao longo dos últimos anos.
A própria PGR, a nível local, aparenta funcionar como uma extensão decorativa do governo provincial. Em 2023 e 2024, recebeu uma dotação de mais de 840 milhões de kwanzas do Orçamento Geral do Estado. Ainda assim, não conseguiu garantir sequer a alimentação ou o alojamento do procurador titular da província.
Mais grave. Os serviços da PGR são fornecidos por empresas envolvidas em alegados esquemas de corrupção com o governo provincial do Kuando-Kubango, liderado por José Martins. Só em Julho de 2023, o referido governo pagou mais de 14 milhões de kwanzas à Minga & Filhos para mobilar a residência do procurador titular Nilton Muaca. Em Dezembro, a mesma entidade entregou outros 8,4 milhões à AEL Construções pela renda de casa do procurador. No mesmo dia, 45 milhões foram pagos à Multi-Ideias Service para a sua reabilitação. São estas empresas que deviam estar sob investigação. Em vez disso, prestam serviços ao próprio órgão que deveria fiscalizá-las.
A velha arte de matar o mensageiro
Num país com um governo sério e um sistema judicial minimamente decente, as denúncias seriam investigadas com rigor, os culpados responsabilizados e os inocentes protegidos. Mas não é isso que acontece em Angola. No Kubango, punem-se inocentes, arquivam-se denúncias, perseguem-se técnicos íntegros e alimentam-se intrigas para encobrir o saque.
A história dá-nos vários exemplos que ilustram o modo como acabam muitos líderes que não sabem ouvir e cegam com o poder absoluto. Um exemplo clássico encontra-se em França. Os conselheiros do rei Luís XVI tentaram alertá-lo sobre a insatisfação popular, a corrupção, o colapso económico e a urgência de reformas para salvar a sua coroa. Muitos foram demitidos ou ignorados.
A teimosia de Luís XVI em ignorar conselhos lúcidos e alertas sobre o caos do seu reinado teve como consequência a Revolução Francesa. O rei, a sua esposa Maria Antonieta e os principais cúmplices dos seus abusos tiveram um fim trágico. Foi o custo acumulado da cegueira voluntária e da recusa em ouvir a verdade.
Hoje, em várias partes de África, repete-se o padrão. Líderes predadores são movidos pela ganância, pela maldade e pelo desprezo pelo povo. Em vez de governarem, saqueiam. Em vez de educarem, destroem sistemas de ensino. Em vez de ouvirem o povo, tratam-no como massa descartável. Combatem o pensamento crítico. Perseguem a verdade. Sabotam o futuro dos seus países. Afundam milhões na miséria.
Ora, mais cedo ou mais tarde, esses líderes predadores colhem a fúria do que plantaram. Para Angola, onde muitos dirigentes se incluem nesta categoria predatória, o que desejamos não é vingança – é “apenas” justiça. Em tempos de crise, silenciar mensageiros não salva ninguém. Só acelera o fim daqueles que se julgam intocáveis. O caminho da redenção e do bem está sempre aberto – mas exige coragem e, sobretudo, justiça.