Antigo jornalista, deputado à Assembleia Nacional pela UNITA, e depois pela CASA-CE, Makuta NKondo é um filho do Zaire inconformado com o fraco desenvolvimento da região, onde está enterrado o seu umbigo. Aponta mesmo que “a província está estagnada” no tempo e espaço, por ser “muito difícil avaliar” o andamento dos programas visando a melhoria da qualidade de vida da população e compara o comércio ilegal de combustível com o contrabando de droga nos países da América Latina.

FONTE: PUNGO A NDONGO

Como vê o desenvolvimento económico e social da província do Zaire, sua terra natal? Agradeço mais uma vez a oportunidade que o vosso jornal me dá para discorrer sobre mais este tema. Sobre o que me pergunta diria que é muito difícil avaliar o desenvolvimento económico da província, ou da sua população.

Não há indicadores que ajudem a fazer uma avaliação? Praticamente posso dizer que a província está estagnada. O novo governador, Adriano Mendes de Carvalho, veio com muita força, com muita vontade de mudar as coisas no sentido positivo, mas não há nada plausível.

MAS HÁ PROGRESSOS, POR EXEMPLO, NO DOMÍNIO DA ENERGIA ELÉCTRICA?

Sim, há energia eléctrica nos seis municípios, como Soyo, Nzeto, Tomboco, Cuimba, Noki e o município sede Mbaza Kongo. Ocorre que do Soyo para Nzeto, nas aldeias e comunas também há energia eléctrica da rede pública.

Portanto, na era do anterior governador, Pedro Makita Júlia todos os municípios, comunas e aldeias foram electrificados, mas hoje estão às escuras.

QUAL É A RAZÃO?                                            

A população não tem dinheiro para pagar o preço da energia eléctrica que acaba por ser muito alto para os seus rendimentos precários. Mesmo o preço de uma lâmpada não está ao alcance de todos, porque são camponeses, praticamente, empobrecidos.

E QUANTO A ÁGUA?

Das várias visitas que já fiz constatei que nenhum município tinha água da rede pública. Quanto sei, só a sede da província (Mbanza Congo) tem o precioso líquido a jorrar nas torneiras de forma irregular.

Trata-se de uma água extraída do rio Lueji, mas é preciso que seja bombeada com mais pressão para beneficiar um maior número de consumidores da cidade e arredores.

Um sector empresarial pujante é um bom motivo para assegurar a empregabilidade e reduzir a pobreza.

O QUE PODEMOS ENCONTRAR NO ZAIRE A ESSE RESPEITO?

É outra irregularidade na província.

Não há empresas privadas com um grande desempenho. O maior empregador é o sector da educação e da saúde, portanto, o Estado.

Também constatei que os únicos beneficiários da pensão de reforma são, na sua maioria, militantes do MPLA. Sabe que o Zaire sempre foi bastião da UPA/FNLA, logo, muitos desses antigos combatentes hoje não são tidos nem achados.

Está a dizer que o desemprego é acentuado? Exactamente! Não existe emprego, porque a maioria da população está desempregada e por isso não pode ter todas as refeições do dia. Quem sai de casa de manhã para ir às lavras toma um chá sem açúcar com bombó assado, ou torrado.

Ao almoço pode haver kizaka, mas o problema são os condimentos que também é necessário dinheiro para adquiri-los.

MAS HÁ PROGRESSO, POR EXEMPLO, NO DOMÍNIO DAS ESTRADAS DE LIGAÇÃO À PROVÍNCIA?

Pode ser em alguns troços da ligação interprovincial, mas internamente há problemas. As ruas e estradas internas não são das melhores. O governador Adriano Mendes de Carvalho já percorreu algumas comunas e viu quão difícil é chegar lá.

Foi reposta a ponte na comuna do Kindeje, mas todas as sedes das comunas são autênticas ilhas, porque as estradas estão intransitáveis. Por exemplo, em Kibala Norte, o povo está abandonado.

As estradas são picadas deixadas pelo colono que para percorrê-las só com camiões de boa tracção. Aliás, quando lá esteve de visita, o governador teve de andar por cima de um camião militar.

A comuna de Nkanda, também é terra esquecida na montanha. O ex-governador Makita Júlia tentou avançar com a construção de uma outra estrada, mas não concretizou o projecto. Há um esforço governamental para levar água à população dos municípios e comunas.

NÃO RECONHECE ESSE ESFORÇO?

Nos seis municípios não há água potável como já referi acima. Tem havido esporadicamente água de cacimbas e das cisternas que vendem a preços elevados. Disse que o sector empresarial está em baixo, mas no Soyo há uma indústria petrolífera de peso.

QUAL É A SUA ANÁLISE?

As empresas que dão mostras são mesmo as petrolíferas que operam no Soyo. O resto anda no marasmo. Aliás, quanto ao comércio, o custo de vida é infernal. Imagine o preço e o peso do pão nas padarias… A farinha de trigo está caríssima. As lojas estão à beira da falência.

PODE APONTAR CASOS CONCRETOS?

Sou proprietário de uma loja e uma hospedaria no Yenga, portanto, na minha terra natal que abriram falência.

PORQUE DEIXOU ‘CAIR’ ESSES EMPREENDIMENTOS?

No caso da loja, ou mesmo da hospedaria, é por onde conseguir produtos para movimentá-los, ou seja, para pô-los a funcionar devidamente? Esse problema é transversal: a maioria dos comerciantes faliu porque não tem um mercado acessível e próximo onde possa adquirir produtos.

O TRÁFICO DE COMBUSTÍVEIS NA PROVÍNCIA ESTÁ NA ORDEM DO DIA. TEM ALGUMA SUGESTÃO PARA SE ACABAR COM ESSE FENÓMENO?

O comércio ilegal de combustíveis do Zaire para a República Democrática do Congo (RDC) é comparável ao tráfico de drogas na América Latina.

NÃO HÁ UMA TERAPIA PARA SE ESTANCAR ESTE MAL?

É por isso que o Governo a determinada altura subiu o preço da gasolina, mas em vez de reduzir o contrabando, apenas piorou. Se o senhor por alguma razão decidir ir ao Zaire corre o risco de não regressar (risos).

PORQUÊ?

As bombas de combustível estão invariavelmente sem gasolina e gasóleo, mas paradoxalmente, passam camiões cisternas para a RDC. Para fugir o fisco passam pela mata e chegam ao destino, no mercado da RDC. De lá para cá, desde que se decidiu aumentar o custo da gasolina, nada mudou e não há prespectivas disso mudar.

Assim, só para ilustrar, a vida social no Zaire parece um funil cuja ponta é um buraco escuro. Voltando à problemática da saúde, sabe-se que o Governo, através do Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) construiu muitas infra-estruturas sanitárias, ao mesmo tempo equipadas.

ISSO NADA LHE DIZ?

Nesse domínio, reitero que pode haver mais paredes. Porém, há menos medicamentos e material gastável. Nos hospitais públicos não há medicamentos.

No caso de doentes diabéticos, por exemplo, o recurso tem sido a RDC. Há muitas clínicas espalhadas por aí dos nossos irmãos da RDC que, lamentavelmente, acabam por substituir o nosso sistema de saúde.

Mas independentemente disso, os nossos compatriotas, sobretudo, os que têm algumas posses, preferem mesmo ser tratados na RDC. Isso também acontece na educação em que muitos encarregados de educação, por insuficiências do sistema do lado angolano, preferem levar os seus filhos a frequentar o ensino no país vizinho.

SE FOSSE INDICADO GOVERNADOR DO ZAIRE, ONDE ATACARIA PRIMEIRO?

Não aceitaria porque sou uma figura da oposição.

Ainda que fosse, de seguida seria expulso, porque seria insuportável (risos).

MAS SÓ APONTA ASPECTOS NEGATIVOS, NÃO HÁ NADA DE BOM?

Há! Diria que a energia eléctrica foi um ganho, mas esqueceram-se de estabelecer uma tarifa a pagar pelos pobres camponeses que agora por falta de honrar as contas, com esse bem público, têm de suportar os cortes da Empresa Nacional de Distribuição de Energia (ENDE).

O QUE GOSTARIA ACRESCENTAR E QUE EVENTUALMENTE NÃO LHE PERGUNTAMOS?

O índice de delinquência no Zaire é elevado.

Infelizmente, quando a população consegue apanhar o delinquente, é levado à polícia dois dias depois já está solto e volta a vingar-se dos que o apanharam na comunidade.

A polícia tem de inverter a sua actuação nesse aspecto muito recorrente.

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